A “Mamãe Noel” Rita de Cássia fez da solidariedade seu modo de viver

Trajetória da assistente social que atua na Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) Leste parece tirada de um roteiro de filme ou das páginas de um livro, com doses de drama e lágrimas, mas com um final feliz

A imagem mostra adultos e crianças em torno de um homem vestido de Papai Noel que está sentado e Rita de Cássia, ao lado em pé, ajudando-o a entregar uma bola de presente para um menino

A “Mamãe Noel” ajudando o bom velhinho a entregar presentes durante almoço beneficente, em 2012, na associação que fundou (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Se o caos de 2020 abalou sua confiança na vida e seu espírito natalino anda meio combalido, a história de Rita de Cássia Batista, uma verdadeira Mamãe Noel, pode ajudar a recuperar seu ânimo e a esperança de dias melhores. A trajetória da assistente social que atua na Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) Leste parece tirada de um roteiro de filme ou das páginas de um livro, com doses de drama e lágrimas, mas - nos desculpem pelo spoiler - com um final feliz.

Nascida na Vila Maria, zona norte de São Paulo, a caçula de seis irmãos perdeu a mãe quando tinha apenas três anos de idade e aos cinco, após sofrer violência física por parte da então madrasta, foi encaminhada para um colégio interno em Atibaia, no interior de São Paulo. Ainda menina, passou por outros dois internatos.

Na adolescência foi encaminhada para a Casa da Menina - São Francisco de Assis, localizada na cidade de Assis, no interior paulista. Na instituição, a jovem observava de perto o trabalho das assistentes sociais, o que despertou seu interesse pelo serviço que elas desenvolviam junto a crianças e jovens e a inspiraria a escolher sua profissão.

Durante os anos em que permaneceu em colégios internos Rita não recebia visitas de familiares e descreve com emoção como eram solitárias as festas de fim de ano. “Nós tínhamos comida e alimento no colégio, mas eu era uma das únicas crianças que não recebia nenhuma visita no Natal”, narra ela, hoje com 56 anos de idade. Só reencontrou os irmãos e o pai aos 14 anos, quando sua irmã Rosana Aparecida Batista a levou de volta para casa.

Em 1993, já mãe de quatro crianças, foi acolhida pela Associação Espírita Beneficente Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, onde, segundo ela, foi bastante amparada. A solidariedade que presenciou lá a fez decidir que também dedicaria sua vida a ajudar o próximo.

Com o apoio da instituição, começou a trabalhar como copeira em uma multinacional. Recém-contratada, recebeu uma cesta de alimentos da empresa e decidiu então que doaria a cesta que ganharia da Associação Dr. Adolfo Bezerra de Menezes. “Eu nunca tive Natal. Não recebia visitas nesta data quando estava no internato e mesmo depois, com marido e filhos, não havia condições para celebrar as festas”, relembra. “Fiquei tão grata e feliz porque pela primeira vez na vida eu teria uma ceia que quis proporcionar o mesmo a uma outra família.”

No ano 2000 fundou a Associação Mensageiros da Paz, que arrecada doações de roupas, brinquedos e calçados para crianças de comunidades da periferia da zona leste de SP, além de promover a distribuição de alimentos e cestas básicas durante todo o ano. Neste Natal, em razão da pandemia, cestas serão entregues em parceria com outras organizações, como Garra Feminina, Ação da Cidadania com o projeto Natal sem fome e Unisocial, da Igreja Universal, e de acordo com os protocolos sanitários de prevenção ao novo coronavírus.

Desde 1993, quando deu início aos trabalhos voluntários, estima já ter ajudado mais de 4.000 pessoas _ela nunca se vestiu de Mamãe Noel, mas alguém duvida que ela seja uma? Para fazer de sua vocação também sua profissão, há dez anos, aos 46 anos de idade, concluiu a graduação em serviço social. Sua experiência de vida e a vasta atuação na área social das comunidades da região resultaram, em 2017, em um convite, feito pela coordenadora da CRS Leste, Elza de Santana Braga, para que Rita passasse a integrar a equipe como interlocutora das áreas de Controle Social, Saúde da População Negra e Violência.

Hoje Rita acredita que seu trabalho vai além de promover a interlocução entre o usuário do sistema de saúde e a gestão municipal. Participa ativamente do atendimento dos casos apresentados pelos profissionais de saúde e diz que o social está totalmente interligado ao bem-estar físico e mental. “O trabalho não pode ser uma obrigação, você tem que estar envolvido de coração naquilo que faz”, pontua. O mais gratificante de sua função, afirma, é contribuir para o resgate da cidadania. “Uma nova pessoa nasce quando ela sai da situação de ser ajudada e começa a ajudar.”

Violência doméstica
O abandono parental, vivido após a morte da mãe, não foi a única situação de vulnerabilidade que a assistente social enfrentou. Quando era casada, passou por cinco gestações de alto risco e em todo esse período sofreu com constantes situações de violência doméstica dentro de casa.

Durante a delicada gravidez do 5° filho e sob circunstâncias de abuso, ela não encontrava alternativas para se refugiar com segurança. A coragem para denunciar seu hoje ex-companheiro veio após assistir a uma novela que retratava a violência vivida por uma personagem que apanhava com uma raquete de tênis do marido, mas que em determinado momento reuniu forças e o denunciou para as autoridades.

Divorciou-se em 1997, um ano após o nascimento da caçula de seus seis filhos biológicos. Em 2008, ganhou outra filha, quando uma vizinha, dependente química que mesmo com o suporte de projetos sociais não conseguia abandonar as drogas, entregou sua bebê recém-nascida para que Rita cuidasse. Mesmo criando a menina como filha, ela conta que neste ano a jovem poderá decidir se deseja ser oficialmente adotada ou não. “É um direito e será uma escolha dela”, diz.