Médico de 93 anos é exemplo de atendimento humanizado na periferia da zona Norte da capital

Há 13 anos, o profissional que não sente falta da ociosidade conquista usuários da UBS Vila Teresinha, na Brasilândia

Por Keyla Santos
Fotos: Edson Hatakeyama

O Sistema Único de Saúde (SUS) é repleto de histórias e de bons exemplos de atendimento humanizado. É o caso do médico Duarte Malva Vicente, de 93 anos, que desde 2005 integra a equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF) da Unidade Básica de Saúde (UBS) Vila Teresinha, na Brasilândia, periferia da zona Norte da capital. Atende os pacientes na UBS de segunda a sexta-feira e, uma vez por semana, sobe e desce ladeiras para visitar os acamados e os que têm dificuldades de se deslocar até a unidade.

No país em que a longevidade demanda mais das políticas públicas, a disposição do dr. Vicente é inspiradora. “Sinto falta do trabalho e não da ociosidade”, conta. Depois do expediente, ele ainda faz cursos de atualização à noite. “Eu vou parar? Eu não vejo motivo. E, se eu parar por algum motivo, arrumo outra coisa.”

A carreira do médico na Atenção Básica, especificamente com a saúde da família, começou após o convite de um amigo que trabalhava na unidade onde está até hoje. Ao longo desses 13 anos, já recebeu propostas de emprego, mas recusou todas. “Nunca aceitei por causa das amizades”, confessa.

Para dr. Vicente, paciente é paciente em qualquer lugar, não tem bairro, classe, categoria, nada que os diferencie. O médico cativa os usuários da UBS, pois é um profissional à moda antiga. Conversa com cada um pelo tempo que for necessário para entender o quadro clínico e fazer as prescrições necessárias. Torna-se praticamente um membro da família. Recebe até guloseimas de seus pacientes. Apesar das dificuldades pelas quais já passou na unidade, como o furto de dois celulares, Vicente segue otimista com os seres humanos e com a medicina.

“É como se fosse um parente.”

O aposentado José Gomes dos Reis, de 68 anos, é paciente de Vicente há 13 anos e afirma que o médico está sempre disposto a atender, não só a ele, como também a sua família. “Ser atendido por um médico que eu já conheço é muito melhor. Com ele tenho mais liberdade para expor o que eu sinto. É como se fosse um parente. Ele não tem pressa, a gente conversa, ele vê o que a gente tem, o que a gente precisa”, elogia.

Reis também participa do grupo Saúde do Homem da UBS, pelo qual o doutor Vicente é responsável. “Sempre que acontecem os encontros do grupo eu já estou avisado e participo. O doutor Vicente está sempre junto. É necessário participar. Na minha idade, ainda estou ‘tocando o barco’, mas se não me cuidar, complica”, finalizou.

Formação

Assim que deixou o ensino secundário, Vicente foi convocado pelas Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial para prestar serviços no litoral brasileiro. Não foi para o combate, mas tinha a missão de vigiar o quartel e cuidar das armas. Foi dispensado em setembro de 1945 e voltou para casa sem ter definição do que iria fazer daquele momento em diante.

Conseguiu um emprego num escritório de uma pedreira, na zona Leste da capital. Nesse tempo também se preparava para prestar o vestibular no colégio Anglo Latino, na rua Tamandaré. Foi lá que decidiu fazer medicina.

Preparou-se durante dois anos e meio e, em janeiro de 1948, ingressou na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

Já no fim do primeiro semestre da faculdade, tornou-se monitor de anatomia, atividade que abriu caminho para aprimorar a técnica cirúrgica. Formou-se em dezembro de 1953. Mas esse não foi o fim da linha, nem um motivo para se acomodar. Vicente seguiu se aprimorando em cursos, estágios e residências médicas. Aproveitou todas as oportunidades oferecidas. Atualmente é especialista em cirurgia torácica, pneumologia, pediatria e obstetrícia. Já recebeu prêmio de reconhecimento da Academia Nacional de Medicina por ter participado do primeiro transplante de fígado do país.

Trabalhou no Hospital das Clínicas e no Complexo Hospitalar do Mandaqui. Conheceu o mundo estudando medicina. Aposentou-se aos 75 anos, mas, nunca teve a intenção de deixar de trabalhar. “Dedico-me à clínica geral com a mesma intensidade e esforço no Programa Saúde da Família, trazendo alegria, segurança e razão de vida para os pacientes, como se fosse aquele recém-formado.”