Secretaria Municipal da Saúde

menu Menu do Site
Terça-feira, 21 de Março de 2017 | Horário: 14:48

Olhar sensível e escuta afinada

Cláudia Vieira Gonçalves, 30 anos, terapeuta ocupacional na UBS Jardim Olinda, no Campo Limpo, com histórico de obesidade, revela suas lutas por superação e contra o preconceito e como encara a profissão que escolheu para chamar de sua...

Por Taynara Carmo
Fotos Edson Hatakeyama
Edição Cármen Ludovice

Apesar de prematura, Cláudia nasceu com cinco quilos e duzentos e cinquenta gramas e uns 55 centímetros. O parto teve de ser antecipado para não por em risco a vida da mãe e do bebê. “Nascia”, reflete ela, “uma menina gigante para a idade gestacional, fora do padrão, que não cabia nas fraldas do hospital: linda, gordinha, a maior do berçário, quiçá do próprio hospital”, avalia. Em casa, teve dificuldades na amamentação e “logo me foram apresentadas outras comidinhas, estabelecendo meu papel diante da família: “a fofa, gorduchinha, lindinha”. Afinal, gordura é sinal de fartura”, questiona.

Mas, na escola, já não era tão bacana... havia o bullying, e, por vezes, surgia um chamamento do tipo “rolha de poço”, “baleia”, “gorda”...
“Mas, como eu precisava ser olhada por outro ângulo, assumi um novo papel: o da meiga, da boazinha, da amiga”, admite.

Dos seis anos de idade até o dia em que decidiu dar um basta nas dietas, nada foi fácil. “Fiz todas as dietas e maluquices imagináveis, desde as equilibradas e orientadas até as mais radicais e perigosas”, alerta.

A “segunda pele”

A adolescência chegou e Cláudia já não dava mais conta de tanto peso, “suava horrores”, e acabou adotando a roupa preta como uma espécie de uniforme, uma segunda pele, inclusive usava blusa de frio, independente do calor. Mas houve um tempo em que a agora adolescente que havia assumido o papel de ‘amiga’, ‘legal’, ‘meiga’, já não se sentia mais parte ou contente com o próprio corpo. “Fui crescendo e mal aceitava quando me diziam que estava ou era gorda, apenas me escondia naquela roupa escudo. A velocidade da engorda era tanta que perdi a noção do corpo, esbarrava nos lugares, comprava roupas muito menores que o meu tamanho real, achando que me serviriam, enfim, foi uma fase bastante difícil”, admite.

Depois de muita terapia e pesquisa, ela se decidiu pela mudança. “Acabei me rendendo, entre aspas, ao que achava ser a solução da minha vida, a cirurgia bariátrica”. Na ocasião, como ela mesma conta, “eu tinha 24 anos, 117 kg e 1,55m” – enfim, o bebê “gigante” só iria crescer mais um metro até a idade adulta. “E foi sim, a realização do meu sonho, o resgate da minha autoestima, da minha saúde”, aplaude. “Desde então, minha relação com a alimentação mudou: deixei de viver para comer e passei a comer para viver”, orgulha-se.
Às mulheres que sofrem os impactos da obesidade, ela orienta: “deve-se buscar ajuda, orientação, qualidade de vida”.

Cláudia posa com as mãos nos bolsos do jaleco branco. Ao fundo, um corredor iluminado

A Terapia Ocupacional

Formada em 2009 como terapeuta ocupacional, ela diz que sempre trabalhou com políticas públicas. Ingressou no SUS em 2015 e na APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais há um ano. Vê o sistema público de saúde como sinônimo de bem-estar e um promotor da qualidade de vida.

“Minha profissão, minha paixão, meu encontro”, vibra ela, para quem suprema benção é poder ajudar a reconstruir papéis e encontrar novas possibilidades para as pessoas que por alguma questão e condição – processos de saúde/doença, deficiência, situação de rua, uso abusivo de drogas, bebês de risco, entraves no desenvolvimento humano, entre outros – ficam sujeitas a situações desfavoráveis, como: exclusão social, vulnerabilidade, ociosidade, enfim, perdem seus papéis, sejam eles familiares, sociais, profissionais, pessoais, etc.


Claudia afirma que o seu projeto de vida é oferecer o melhor a quem não tem condições de arcar com isso. Nascida em São Paulo, Capital, a terapeuta ocupacional sempre quis uma profissão que envolvesse o cuidado com o outro. Solteira, tem duas irmãs com idades bem próximas da sua. Filha de pais separados, ela garante que a família sempre deu suporte para as filhas, todas com diplomas de nível superior.

Para ela, a Terapia Ocupacional, é a possibilidade de acreditar em quem é desacreditado ou deixou de acreditar em si mesmo, por promover o desenvolvimento e a reabilitação de pessoas de qualquer idade que tenham o seu desempenho ou convivência afetados por problemas motores, cognitivos, emocionais e de inserção social. “Tenho a profissão que amo e a exerço com muito amor. A carreira profissional é uma eterna construção”, reflete.

O antes, o agora e o depois

Cláudia acredita que sua história foi fundamental para sua formação e para a pessoa que se tornou: “Hoje, meu olhar é sensível, a escuta afinada – mesmo quando não existe comunicação verbal”.

“Atualmente”, explica ela, “tenho um olhar e uma relação diferenciada com a prematuridade, a amamentação, a alimentação adequada, o investimento que os pais despendem aos filhos, a quebra de tabus impostos pela sociedade, principalmente quando falamos do corpo, seja ele obeso, magro, com deficiência, enfim, “o corpo que nos apropriamos como nosso”, encerra a terapeuta ocupacional do Jardim Olinda.

E, se depender dela, o depois será cada vez melhor para aqueles que, por diferentes motivos, vivem à margem da vida e da cidadania e não no centro do desenvolvimento.

collections
Galeria de imagens