Setembro amarelo nos leva a refletir sobre suicídio

É importante estarmos atentos a quem não está bem; falta de políticas públicas preocupa

Imagem ilustrativa na qual aparece à esquerda um holofote dentro de um celular e à direita o Texto HSPM Responde 

Por Gabriel Serpa

Preservar a própria vida é o mais básico dos instintos. Esse é um tema urgente da atualidade, que ainda gera desconforto e embaraço. É tabu para muitos. Esta edição do HSPM Responde conversou com o coordenador da Clínica de Psiquiatria do Adulto do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM), Dr. Maurílio Azzi, que contou com o auxílio dos Drs. Renan Cardoso e Danilo Bastos, residentes de psiquiatria. Além de apontar para sinais de alerta, a equipe de psiquiatras destacou a importância do acompanhamento especializado e trouxe um dado inquietante: cerca de 30% das recaídas de doenças são fruto de abandono de tratamento.

1. O Brasil registra um aumento do número de suicídios a nível nacional. A que se pode atribuir os números?
Podemos identificar como pontos principais: falta de políticas públicas; aumento no consumo de álcool e drogas; isolamento social, principalmente nesses dois últimos anos; perda de uma referência moral e ética, aliadas ao hedonismo (busca por prazeres imediatos); perda de emprego, prejuízo econômico e exposição a estímulos negativos.

2. O Brasil investe em políticas públicas eficientes de combate ao suicídio?
Não. Deixa muito a desejar. Tratar o assunto só como setembro amarelo é muito pouco. Pelas causas já apontadas, percebem-se múltiplos fatores para o suicídio. Não dá para pontuar isoladamente. E todas essas questões devem ser trabalhadas constantemente.

3. Muito se fala em uma segunda pandemia, agora de saúde mental. Por quê?
Diferente da saúde física, a saúde mental depende de fatores que vão muito além de um bom repouso e uma boa alimentação. É preciso equilíbrio emocional, boas condições de vida, trabalho e lazer. Nos últimos dois anos, muita gente perdeu emprego, viu amigos e familiares morrerem, outros ficaram com sequelas da Covid-19. Essas causas potencializam transtornos mentais já existentes. Atendo-me ao prejuízo econômico, ele desestrutura muito tanto família quanto indivíduo. O que tem de desempregado sem saber o que fazer, sem ter onde trabalhar. Isso gera ansiedade, desespero. Desestabiliza muito.

4. Quais sinais devem servir de alerta, tanto para o paciente quanto para quem está próximo a ele?
Chamamos a atenção para: tristeza; isolamento social e retração emocional, quando relacionados à alteração afetiva do indivíduo; uso de álcool e drogas, seja no início ou no aumento do consumo; irritabilidade e agressividade; prejuízo do sono, excesso de preocupação e ansiedade; perdas afetivas, como a morte de um ente ou ainda o rompimento de relacionamentos; e desesperança, como a falta de perspectiva de um futuro melhor. Por si só, não são indicadores, mas é preciso fazer essa leitura do todo.

5. Que transtornos podem levar pessoas a considerar a hipótese de suicídio?
Entendendo que transtornos querem dizer doenças, a depressão sem dúvida nenhuma é a maior causa. O surto psicótico, quando a pessoa perde o senso crítico e racional, ouve vozes e tem delírios. Nessa situação, a pessoa pode enviesar pelo pensamento autodestrutivo. Transtorno afetivo bipolar, que pode rapidamente entrar em quadro depressivo, ou de mania, que pode tirá-lo da realidade. Determinados transtornos de personalidade, em que há impulsividade e irritabilidade, como borderline, também preocupam. Porque neles o indivíduo tem rompantes que nem ele sabe explicar de onde vêm. E ainda enfatizo as perdas impactantes que, apesar de não serem transtornos, geram intenso desequilíbrio emocional. Não dá pra dizer que o desempregado está doente, mas ele certamente não está bem.

6. É possível, no âmbito individual, se proteger contra ideias suicidas?
Sim, mas quando uma pessoa tende ao desequilíbrio é difícil que ela se mantenha firme. Vamos pegar como exemplo o consumo de comida, algo comum. Se você me disser que se habituou a comer três bombons toda noite após o jantar, você sabe que não é saudável, mas é muito difícil abandonar o hábito. Portanto, quando você sai do equilíbrio não é tão simples retornar. É importante não cultuar ideias negativas. Para isso, é preciso ter consciência de si, saber se é ansioso, se é depressivo, se é bipolar. Entender suas limitações intrínsecas, patologias e condições. Esse seria o primeiro passo para impedir ideias negativas. Depois, ter autocrítica: estou bebendo muito? Melhor diminuir. Sinto muita ansiedade? É bom buscar tratamento. Não falo com ninguém? Talvez deva tentar entender por quê. Uma coisa amarra na outra. Mas é difícil ter esse grau de consciência e autocrítica.

7. No âmbito clínico, o que deve ser feito?
Procurar auxílio profissional adequado, o mais rápido possível. Médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, que são as pessoas indicadas. Ir a um pronto-socorro. Não ter vergonha de procurar ajuda.

8. Quais atendimentos à saúde mental são realizados no HSPM?
Nós temos no HSPM o pronto-socorro, que é a porta de entrada após o atendimento de emergência. Esses pacientes são encaminhados para a Clínica de Psiquiatria do Adulto ou para a Clínica de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Há ainda o Serviço Social, que pode acolher esses pacientes e encaminhá-los ao grupo de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). Por sermos um hospital de referência para o servidor público municipal, todos os profissionais do HSPM estão aptos a acolher indivíduos em desespero existencial.