Seminário faz balanço do programa De Braços Abertos e discute casos internacionais

Política municipal de redução de danos reúne diversas secretarias no resgate da cidadania de 513 beneficiários. Redução no uso já atinge 70%.

A região da Cracolândia, conhecida assim por concentrar grande parte dos usuários de crack da cidade de São Paulo, foi alvo de inúmeras ações de repressão ao consumo de drogas ao longo dos anos, que agravaram a situação de vulnerabilidade no território.

Devolver dignidade a quem vivia há tempos às margens da sociedade e de forma precária é a base do programa De Braços Abertos, que articula ações de diversas secretarias da Prefeitura para oferecer trabalho, alimento e moradia a centenas de cidadãos que viviam nas ruas da região central da cidade.

No início de 2014, a Prefeitura iniciou o De Braços Abertos na tentativa de quebrar o paradigma de que a questão da droga era um tema estritamente relacionado à segurança pública. Hoje, alguns resultados confirmam que a visão por trás do programa promove mudanças reais na vida dessas pessoas: 476 adultos e 37 crianças vivem em hotéis sociais; a redução do consumo de crack bate os 70% e 86% dos beneficiários frequentam o trabalho com regularidade.

“Queremos que este seja um instrumento de dignidade da pessoa e uma referência para todo o Brasil. E temos caminhado para que isso aconteça, apostando em três aspectos: primeiro, no envolvimento direto do prefeito Fernando Haddad, que acompanha de perto todos os passos do programa e possibilitou o segundo aspecto, que é a transversalidade dele, envolvendo diversas secretarias. É, de fato, um programa de governo. Por último, na participação social, de promoção do diálogo com as redes de saúde, de assistência social, de trabalho e com militantes de redução de danos”, disse Rogério Sottilli, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, durante a abertura do Seminário Internacional de Política de Drogas, realizado nesta quinta-feira (13), em São Paulo.

O Seminário reuniu gestores públicos de São Paulo e de municípios do entorno, representantes de organizações não governamentais e autoridades para discutir como aprimorar políticas de drogas. Além de compartilhar experiências locais, o encontro também teve a participação de três militantes internacionais, que participam de programas orientados pela redução de danos em seus países.

O prefeito Fernando Haddad também participou da abertura do evento e reforçou a abrangência do De Braços Abertos: “O ensinamento do programa extrapola a questão da drogadição, em função da educação para um olhar que se distancia daquele bloqueado pelo preconceito. É possível dar passos incríveis quando se está aberto ao diálogo.”

Boas Práticas Internacionais

Especialistas internacionais destacaram formas de sensibilização da população e novas abordagens para redução de danos. Ações na Holanda, no Canadá e no Uruguai foram apresentadas.

A canadense Liz Evans, co-fundadora do PHS Community Service Society, destacou os esforços do terceiro setor em Vancouver nas últimas duas décadas para assistir os usuários no que se refere à moradia.

As atividades da ONG começaram na região de Downtown Eastside, rotulada pela imprensa no começo dos anos 90 como “Quatro quarteirões do Inferno”, com a oferta de quartos de hotel para que usuários pudessem ter um lugar estável para morar. A iniciativa queria diminuir os riscos de overdose e romper com a marginalização dos indivíduos, pouco ouvidos pelo Estado.

Atualmente, depois de longo processo de articulação, os governos municipais passaram a compreender a necessidade de incluir usuários na oferta de serviços públicos, como moradia, “algo que há 15 anos era impensável”, relatou.

A atuação da PHS aconteceu nas ruas e também na mídia. O projeto apostou em conferências endereçadas à comunidade, em que pessoas de outras partes do mundo relatavam como políticas de redução de danos haviam mudado a vida dos usuários, além de estabelecer parcerias com pesquisadores para que suas descobertas sobre como o programa aumentava a qualidade de vida fossem veiculadas em linguagem acessível ao público.

No caso da Holanda, Amsterdã conta com uma política pública consolidada para redução de danos, iniciada nos anos 70. Na década seguinte com a epidemia de heroína , uma política pragmática de saúde pública para combater os danos que a droga causava foi colocada em prática. “O que mais me surpreendeu aqui em São Paulo foi o foco na comunidade, no diálogo com o usuário para entender as necessidades deles”, disse Marcel Buster, epidemiologista do sistema público de saúde da cidade holandesa.

A assessora da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai, Raquel Peyraube, também participou do Seminário. Para ela, que há 28 anos trabalha com redução de danos, a desconstrução do estigma que ronda os usuários é um passo fundamental para aplicar a política e resgatar os doentes.

No processo de reconstrução da pessoa, segundo ela, o maior desafio é restituir direitos, que muitas vezes são violados pelas instituições médicas que deveriam tratá-las. Peyraube ressaltou, entre outros aspectos, a importância da negociação e da abordagem amigável, no lugar das internações compulsórias.

Visita ao Programa

Na sexta-feira (14), os conferencistas visitaram a tenda do De Braços Abertos; um dos hotéis do programa e o Largo Coração de Jesus.

Raquel Perayube entende que o projeto, ao inserir os indivíduos por ações como criação de postos de trabalho, vai bem. “Isso é redução de danos da base, quando você abre as portas da saúde pelos programas sociais”, disse.

A especialista destacou a importância de que o poder público esteja à frente da questão, buscando unir segurança pública e desenvolvimento social, e destacou boas práticas que vêm surgindo na América Latina. “Em Bogotá você também tem iniciativas da prefeitura , como o projeto CAMAD (Centro de Atenção Médica ao Dependente de Drogas), que são unidades móveis em cenas de uso. O Uruguai está tentando desenvolver por meio de organizações civis, mas governo está promovendo e abrindo concurso para projetos de base comunitária. Acho que essa é a tendência atual”, disse.

Marcel Buster considerou importante que existam ações sistemáticas e trabalho conjunto para que o “fluxo” acabe. “Essas cenas abertas de uso atraem novos usuários; é necessário acabar com elas. A coordenação entre polícia, serviço de saúde e a municipalidade é muito importante”, concluiu.