Uma platéia especial para Joanna de Flandres

As luzes piscam e, depois de dois toques, começam a se apagar. Na coxia, muito movimento. Pela platéia um misto de burburinhos, "shiuss" e expectativa. Neste momento, escoam pelas cadeiras - tateando um lugar para sentar - um grupo de 20 meninas. Todas deficientes visuais. Mais alguns instantes e sobem as cortinas. O espetáculo começa. Afoitas, algumas das garotas se antecipam: "o que está acontecendo agora?"

Esse breve recorte aconteceu na noite desta terça-feira, dia 5, no Teatro Alpha, em São Paulo, durante o ensaio geral da Ópera Joanna de Flandres, de Carlos Gomes. O grupo de garotas faz parte da Cia. de Ballet para Cegos Fernanda Bianchini, convidada pela Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo a participar do ensaio.

"A emoção foi inexplicável, enorme", comenta Giovanna Maira, 18 anos, estudante de canto lírico da ECA, Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo. Giovanna nunca havia assistido a uma ópera. Apesar de ser cantora lírica, ela apenas ouvia as apresentações por DVD ou CD. "Esses eventos são muito caros para a realidade brasileira", diz a estudante que, desde os 10 anos, trabalha com música.

Para Marina Alonso Guimarães, 19 anos, bailarina formada e professora na cia. de ballet, "os aplausos do público é que fazem o artista continuar na luta". Também debutando na platéia, Marina se espelha nos cantores líricos afirmando que estar no palco é como realizar um sonho, e o seu sonho é ser bailarina profissional e se apresentar para uma platéia igual aquela da qual fez parte. Ela também afirma que essa foi uma experiência diferente, interessante, além de ser um enriquecimento cultural.

As mais diversas sensações e comentários permearam a apresentação de quase quatro horas para essas meninas que não enxergam. A pergunta mais freqüente era: - o que está acontecendo no palco? As respostas: "- agora a soprano sorriu; - passou para o lado esquerdo devagarzinho; - agora, a vilã está chorando!"

Giovanna, que conhece alguns dos cantores que se apresentavam, não conseguia conter a sensação de êxtase. "Será que um dia eu vou participar de uma ópera também?" Segundo Marina, sua amiga de ballet, para isso tem de ter "um dom da coisa muito bonito".

Giovanna com certeza tem o dom de cantar. Mas tem outro, o dom de levar a vida com qualidade e respeito apesar das diversidades que todas essas garotas têm. Elas já compreenderam o que todos precisamos refletir: que as diferenças não extinguem a vontade e o prazer de freqüentar uma ópera, o cinema, o teatro, a dança, uma escola.

Com certeza, essa foi uma noite muito especial para Joanna de Flandres.