Nada é por acaso

Fonte: Jornal da Tarde

São Paulo chega às telas hoje em ‘Não Por Acaso’

Franthiesco Ballerini, franthiesco.ballerini@grupoestado.com

São Paulo é assim: milhões de habitantes, carros, pombos, prédios, cães sem dono, e a sensação de estar sozinho em meio a tudo isso. A Cidade levanta esse sentimento quando mostra suas ruas no cinema, mesmo que o tema do filme seja outro, como acontece em Não Por Acaso, que estréia hoje. Produzido pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles (Cidade de Deus), o filme de Philippe Barcinski é um convite para passear pelas avenidas da metrópole e conhecer histórias de encontros e desencontros nascidos no acaso urbano.

O trânsito é o pano de fundo desta história, desenvolvida pelo diretor no Laboratório de Roteiro do Festival de Sundance. Ênio (Leonardo Medeiros) é um sociopata urbano que trabalha na CET (Companhia de Engenharia e Tráfego). Passou a vida tentando controlar o trânsito da maior cidade da América Latina por meio dos monitores da CET. Ironicamente, um acidente entre dois carros o faz encontrar sua filha Bia (Rita Batata) e surge a possibilidade de ter que morar com ela. O mesmo acidente afeta outro universo, o de Pedro (Rodrigo Santoro), dono de uma marcenaria que produz mesas de sinuca. Pedro enfrentará o acaso em sua rotina, marcada pela pacata produção de mesas e jogos com os amigos.

A inusitada relação entre sinuca e trânsito permeia o filme, uma prova da inventividade dessa turma da O2 Filmes, responsável por produções paulistas como Antônia e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias. Jogo e carros tecem uma relação de causa e efeito, gerando acasos e não acasos, como o encontro de Pedro com Lúcia (Letícia Sabatella), uma corretora da bolsa de valores.

Barcinski chegou a ter 4 mil imagens de locações da cidade de São Paulo, mas resolveu explorar cantos escondidos - e escancarados - do Centro. A arquitetura, o movimento incansável de gente e carros e as luzes da região formam uma beleza exótica no trabalho de direção de fotografia de Pedro Farkas, que se inspirou em imagens dos fotógrafos Bob Wolfenson e Cristiano Mascaro. Em uma das cenas mais belas do filme, Ênio manipula os semáforos, causando um grande congestionamento, a fim de resolver uma angústia pessoal com a filha. Em outra, igualmente explorando a Cidade, Rodrigo Santoro sai correndo atrás de Lúcia que, graças a ele, conhece um reduto verde no alto da Cidade, onde é possível contemplar a beleza estranha e cinza da metrópole.

Para pegar o tom dos personagens, Santoro se embrenhou em bares de sinuca, onde aprendeu a jogar; Letícia Sabatella aprendeu a diferenciar gostos de cafés, já que ela negocia este produto na bolsa, e Medeiros conviveu com técnicos da CET. O resultado é uma atuação contida, realista e realmente tocante nos silêncios e olhares que eles lançam para si mesmos e para a paisagem urbana. Não Por Acaso é um retrato poético de uma cidade que respira o acaso em cada esquina.

Fechado para filmagem

O diretor Philippe Barcinski conta como foi parar a capital para filmar ‘Não Por Acaso’, seu longa-metragem de estréia

Não Por Acaso é a estréia de Philippe Barcinski em longas-metragens. Premiado por curtas como Palíndromo (2001) e Janela Aberta (2002), é considerado um dos principais parceiros de Fernando Meirelles na O2. Na entrevista ao JT, ele fala do desafio de parar São Paulo para contar a história.

JT - Qual foi a participação do Fernando Meirelles no filme?

Philippe Barcinski - Ele leu todos os tratamentos e ajudou na escolha do elenco, que precisava passar uma carga emocional forte.

Sua experiência na Faculdade de Física teve contribuição no filme?

O roteiro propunha dialogar com questões do pensamento lógico, cartesiano. O desejo de controlar o mundo. Fiquei um pouco amarrado ao roteiro por um tempo. Em Sundance, disseram que ele estava fresco, mas precisava desenvolver os personagens melhor.

Como foi parar São Paulo?

São Paulo não é como Nova York, onde freqüentemente encontramos placas nas ruas dizendo ‘fechado para filmagem’. Ainda não temos esta logística apropriada. Esteticamente, a beleza tem que ser bem pesquisada em São Paulo, mas ela existe e é fascinante.

Você usou trânsito real nas cenas?

Documentamos alguns congestionamentos e produzimos outros, com 80 carros cenográficos. A sala da CET foi inspirada na real, mas demos um ar mais moderno a ela.

A trilha é um personagem fundamental na história.

Buscamos referências de Adoniran Barbosa para o personagem do Santoro, que tem a cara do Bexiga. A preocupação não era ser cabeça nem emocional, então a música conseguiu temperar bem isso. Mas o silêncio dramático entre pai e filha é quase uma trilha à parte.

Você vai estrear em tempos de ‘Shrek 3 ‘. A bilheteria o preocupa?

É uma equação muito difícil. Hoje os blockbusters dominam, mas no começo do ano, havia muitos filmes em cartaz. O Cazuza estreou nesta época em 2004 e se deu bem. Espero que o feriado nos ajude.

E os próximos projetos?

Estou fazendo o roteiro do Sob Pressão, que terá o Santoro. Também vou dirigir Valsa Negra, livro da Patrícia Mello que será adaptado por Marcos Bernstein.

Tela Cheia

A O2 Filmes é responsável por alguns dos maiores sucesso de bilheteria e crítica do cinema brasileiro recente. Comandado por Fernando Meirelles, possui 16 diretores. O mais novo do grupo é Alex Gabassi. Eleita uma das maiores produtoras de cinema do mundo pela revista americana Visionaire, prepara o lançamento do filme ‘Cidade dos Homens’ e a segunda temporada de ‘Antônia’.

Cidade terá escritório de cinema

As reclamações de Barcinski sobre filmar em São Paulo podem ficar no passado. A Secretaria Municipal de Cultura anunciou a criação do Ecine, Escritório de Cinema de São Paulo, que promete viabilizar as filmagens na Cidade, coordenando o trabalho da CET, SP Trans e Guarda Municipal. O Ecine irá divulgar a Cidade no exterior, incentivando festivais e mostras. A estimativa é que um único filme feito aqui injete até R$ 9 milhões no Município.

Sob pressão

Estrela de uma das maiores bilheterias internacionais do ano, ‘300’, Rodrigo Santoro já declarou que não vai dar as costas para o cinema nacional. Neste ano, se divide entre a série ‘Lost’ e quatro produções, como ‘Os Penetras’, ‘Black Oasis’, ‘Red Belt’ e ‘Talking With Dog’, estrelado também por John Cusack. No Brasil, Barcinski promete “puxá-lo” para a produção de seu próximo filme, ‘Sob Pressão’