Seminário comemora aniversário do ECA com foco no combate à exploração infantil

Com a sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo praticamente lotada, com cerca de 300 pessoas presentes, foi realizado nesta quarta-feira (13/07) o seminário Infâncias Interrompidas: exploração infantil e os desafios na garantia de direitos de crianças e adolescentes.

Foto: Felipe Evers I SECOM

Ballet Paraisópolis / Foto: Felipe Evers | SECOM

A iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), por meio da sua Coordenação de Políticas para Criança e Adolescente (CPCA), trouxe especialistas e autoridades políticas para desenvolver o tema do trabalho infantil, dentro das comemorações do aniversário de 32 anos do Estatuto da Criança e Adolescente, o ECA.

“Peço licença para trazer informações desagradáveis”, disse a secretária de Direitos Humanos e Cidadania, Soninha Francine, na abertura, para citar casos de abusos que são cometidos diariamente contra mulheres. Ela mencionou o caso noticiado recentemente pela imprensa e que foi motivo de indignação geral, sobre o anestesista que foi preso em flagrante depois de abusar sexualmente de uma mãe em trabalho de parto, como exemplo de vítimas que sequer sabem que estão sendo abusadas, o que acontece muito com crianças e adolescentes.

“Crianças não são vítimas apenas de abuso, mas também de exploração sexual, que é quando alguém obtém vantagem financeira ou outras. Festas de ‘bacanas’ com meninas para serem usadas sexualmente; (as “novinhas”), mães que exploram as filhas, o tráfico que usa meninos e meninas, os meninos que correm para roubar celulares a mando de adultos. O cenário é desolador, mas não precisa ser assim, não pode ser assim”, afirmou Soninha.

A secretária destacou as políticas públicas, ações e programas municipais que possuem articulação direta da pasta por meio de CPCA e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Além disso, saudou os conselhos tutelares “que também estão completando 32 anos”, uma vez que foram criados a partir do ECA.

Em palestra realizada no seminário, o advogado, mestrando e pesquisador da USP e da UNICAMP, Victor Del Vecchio, consultor de direitos humanos e de temas socioambientais, lembrou os avanços obtidos pelo ECA desde a sua criação, em 1990. Ele destacou que este é um dos melhores estatutos de proteção a esta faixa etária do mundo, população que representa 30% de todos os brasileiros (66 milhões de crianças e adolescentes).

Entre os exemplos de avanços propiciados pelo ECA, ele citou em especial a redução em 80% da mortalidade infantil e a universalização do ensino. Mas observou que 40% das crianças brasileiras vivem ainda em situação de pobreza e que, a cada ano, 7 mil crianças têm a vida interrompida, sendo que 40% dos casos são de crianças assassinadas dentro de suas casas.

A volta por cima

O seminário trouxe a experiência de vida de duas pessoas que superaram as dificuldades da exploração infantil e que hoje desenvolvem ações sociais, com base nas situações que enfrentaram. Swany Zenobini foi obrigada a vender balas com os irmãos quando eram crianças e hoje se dedica a fazer palestras para denunciar o tráfico e a exploração de crianças. “Criança vendendo balas na rua pode ser caracterizada como tráfico de pessoas”, alertou. “Meu grande sonho é transformar o tráfico de pessoas como a grande pauta nacional”, afirmou.

Já Emerson Figueiredo passou cinco anos no sistema prisional por tráfico de drogas, conseguiu retomar sua vida e se formou em Psicologia. Contou que nasceu em Embu (SP), que de acordo com ele foi considerado o local mais perigoso do mundo em 2001, onde os modelos de sucesso eram nocivos. “Criança não sabe identificar se uma autoridade é lícita ou não. Sempre desejei e ainda hoje desejo ser uma pessoa melhor. Ali, uma pessoa melhor era a que tinha dinheiro. A referência que eu tinha era do tráfico. Me identifiquei com o crime em uma fase da vida. Minha infância foi interrompida.

A desembargadora Catarina Von Zuben trabalhou durante anos com o resgate de pessoas traficadas, incluindo crianças. Ela considera necessário falar e trazer casos de pessoas que foram resgatadas e que muitas vezes sequer se identificam como vítimas de abusos.

Um desses casos foi mencionado pela secretária Soninha Francine, do atleta e ídolo inglês do atletismo Mo Farah, que não se identificava como vítima de tráfico de pessoas até ser resgatado por um professor de Educação Física. O atleta, nascido na Somália, foi levado do país em conflito por alguém que dizia ser o seu pai. Mas, na realidade, o seu pai verdadeiro morreu no conflito. No Reino Unido, ele foi vítima de trabalho infantil.

Catarina, citou um caso na região de Campinas, no qual meninas cujo desejo era de serem modelos foram obrigadas a se prostituir e a consumir drogas. “As mães, para resgatá-las, eram obrigadas a pagar 3 mil reais”.

O desejo de se tornar e viver como um jogador de videogame faz parte do sonho de muitos jovens, mas também pode ser a porta para a exploração do trabalho, muitas vezes com o estímulo dos pais.

Catarina relatou que adolescentes que eram trazidos para São Paulo e alimentados a custo de bolachas enquanto o explorador lucrava com o trabalho deles. Outro caso comum é de crianças criadas como se fossem da família e que consideram seus exploradores como tal, até serem resgatadas muito tempo depois e descobrirem que estavam sendo exploradas. “Quando elas se veem como vítimas se revoltam e procuram fugir. Senão, nem isso”.

Atrações artísticas

O seminário teve como abertura uma apresentação do Ballet Paraisópolis, que tem em sua essência a luta contra a vulnerabilidade por meio da dança clássica e contemporânea. Segundo a sua diretora, Mônica Tarragó, o ballet atende atualmente 200 crianças.

O Ballet Paraisópolis voltou a se apresentar após uma pausa para um lanche oferecido pelo evento. Em seguida à apresentação, que teve na plateia o prefeito Ricardo Nunes, três dos secretários municipais presentes, Alexis Vargas, Secretário Executivo de Projetos Estratégicos, Carlos Bezerra, Secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, e a Secretária de Direitos Humanos, Soninha Francine, falaram sobre políticas públicas desenvolvidas pelo poder executivo municipal para crianças e adolescentes.

O prefeito Ricardo Nunes também destacou as ações da administração municipal voltadas para este público e anunciou que, até 2024, a cidade de São Paulo contará com mais unidades do SPVV (Serviço de Proteção a Vítimas de Violência) em todas as 32 subprefeituras, totalizando 2.630 vagas, com um investimento de R$ 24 milhões.

O seminário foi encerrado com a apresentação da rapper Stefanie, acompanhada do DJ Negrito, muito aplaudida pelo público, que no final cantou junto.