Sarau no Grajaú inicia projeto “Ruas de Memória”, que visa mudar nomes de vias que homenageiam agentes da ditadura

Há cerca de 30 logradouros na cidade de São Paulo homenageando violadores de direitos humanos

Com o objetivo de alterar vias de transporte, edifícios e instituições públicas na cidade de São Paulo que remetam a torturadores e violadores dos direitos humanos, a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade (CDMV) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) lançou, no último domingo (31), o projeto “Ruas de Memória” , durante um sarau com o tema “Violência de Estado Ontem e Hoje”.

O ato ocorreu no ginásio do Centro de Promoção Social Bororé, no Grajaú. Ali, numa rua de chão batido sem saída, além da entidade há apenas três casas situadas na avenida General Golbery Couto e Silva.

Revogar medidas que homenageiem autores de graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) é uma recomendação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e está na Diretriz 25 do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3).

Um mapeamento realizado pela CDMV identificou ao menos 29 logradouros na cidade que remetem a pessoas envolvidas direta ou indiretamente com crimes de violação de direitos humanos praticados neste período.

“Não podemos continuar com homenagens que não fazem mais sentido numa cidade que pretende ser democrática. Já mapeamos cerca de 30 logradouros que homenageiam violadores dos direitos humanos, pessoas que nunca foram julgadas”, disse Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade. Ela alertou que os resquícios da repressão da ditadura estão presentes na sociedade brasileira. “Ainda hoje vivemos esse legado autoritário. Em média, um jovem morre por dia no Brasil”.

Atual diretor do Centro de Promoção Social Bororé, o jovem padre Fábio Muniz Alvez disse não fazer sentido o nome da rua homenagear o ex-general Golbery. “Esse nome não tem relação alguma com o trabalho que fazemos aqui. Não fazemos um trabalho de morte. Nosso trabalho é com as crianças, é sobre a vida”.O padre propôs que o novo nome da rua seja Padre Giuseppe Pegoraro, fundador do Centro, que há 26 anos atende a comunidade da região do Grajaú.

O secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eduardo Suplicy, chamou os representantes das três famílias que ali vivem e improvisou uma votação com os presentes. O nome sugerido foi imediatamente aceito por todos. “Esse é um projeto de grande relevância. Pessoas que comandaram a repressão, que causaram mortes e torturas, não merecem homenagens. É preciso modificar o nome das ruas para nomes que façam sentido aos moradores”, disse Suplicy.

O sarau continuou com diversos coletivos se revezando entre declamações de poesia, letras de rap e apresentações artísticas. Em comum, a denúncia da repressão e da violência de Estado que hoje tira a vida de milhares de jovens, negros e de periferia.

Projeto de Lei
A mudança de logradouros depende da anuência dos moradores e de Projetos de Lei que precisam ser aprovados pela Câmara de Vereadores do município. Para que a lei se efetive, a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), responsável pela iniciativa, tem criado estratégias, em diálogo com a sociedade civil, para sensibilizar a população sobre a importância de retirar esses símbolos da cidade.

Para Clara Castellano, coordenadora-adjunta de Direito à Memória e à Verdade, “retirar este tipo de homenagem de nossos espaços públicos é, em primeiro lugar, uma forma de reparação simbólica importantíssima para as vítimas diretas desses crimes que até hoje não viram seus algozes sendo julgados e punidos”. A mudança também busca trazer à tona, para toda a sociedade, a verdade histórica sobre fatos e personalidades daquele período e reconstruir a memória histórica da cidade a partir da valorização da cultura democrática e de promoção dos direitos humanos.