Detalhes da análise das ossadas de Perus são apresentados em reunião oficial do Comitê de Acompanhamento

Atualizações sobre o andamento dos trabalhos foram expostas aos familiares, ex-presos políticos e representantes da sociedade civil

O Comitê de Acompanhamento do Grupo de Trabalho Perus (GTP) realizou sua primeira reunião oficial no dia 6 de janeiro, para atualização sobre o andamento da análise das ossadas da Vala Clandestina do Cemitério Dom Bosco, descobertas em 1990, em Perus, e também sanar dúvidas de familiares e demais componentes do grupo. O Comitê de Acompanhamento é uma instância consultiva composta por familiares, ex-presos políticos, representantes do Ministério Público Federal, comissões governamentais e organizações da sociedade civil.

“Essa é uma instância muito importante para as decisões que são tomadas, é o nosso canal oficial de interlocução”, esclareceu Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. A procuradora da República Eugênia Gonzaga, que ocupa a presidência da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, ressaltou a importância do Comitê. “É essencial a participação de vocês no Comitê de Acompanhamento, seguindo todas as orientações internacionais da Justiça de Transição”, disse ela.

O perito Samuel Ferreira, coordenador do Comitê Científico do Grupo de Trabalho Perus e membro da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, apresentou o balanço das atividades. A retomada das análises começou em setembro de 2014, quando houve o transporte de 411 caixas anteriormente armazenadas no Ossário Geral do Cemitério do Araçá para o Laboratório do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), seguido logo depois do transporte de 22 caixas referentes ao Caso Perus armazenadas no Instituto Médico Legal (IML).

O coordenador do Comitê Científico esclareceu que até o momento foram analisadas 144 ossadas, referentes a 107 homens, 29 mulheres e seis indeterminados. Em três delas foram encontrados sinais de lesão por arma de fogo e em outras oito lesões contundentes que podem ter contribuído ou ter sido a causa do óbito. Ao todo já foram abertas e limpas 161 caixas. Em 25% delas havia ossos misturados de pessoas diferentes. Segundo Ferreira, a equipe estima terminar o trabalho de abertura e limpeza das 1.049 caixas até setembro deste ano e, até março de 2016, concluir o trabalho de análise das ossadas.

Exames de DNA
Um dos principais pontos debatidos no encontro foi a etapa dos exames de DNA, fundamental na tentativa de identificação de algum dos 42 desaparecidos com chances de terem sido inumados na Vala Clandestina de Perus. Representando a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Fábio Franco afirmou que “os desaparecidos políticos têm prioridade absoluta. Graças ao trabalho das famílias, é sobre eles que há mais dados disponíveis, mais informações, e é por essa razão que estamos fazendo a ficha ante-mortem, um trabalho de grande qualidade e inédito em sua extensão, profundidade e conteúdo”.

A SDH destaca que, caso apareçam restos mortais compatíveis com as informações prévias de um dos desaparecidos políticos, o governo federal tem condições de realizar imediatamente o exame genético. Entretanto, segundo o coordenador do Comitê Científico, ainda não foi descoberta nenhuma ossada diretamente compatível com alguma das pessoas da lista de procurados. Enquanto os trabalhos avançam, o governo federal prepara edital de licitação que permitirá a contratação do laboratório que fará a análise de DNA em maior quantidade ao final da investigação.

Pesquisa ante-mortem
Até o momento, 33 familiares foram entrevistados para a produção das fichas ante-mortem com base em protocolos internacionais validados e conduzidos por profissionais formados para esse tipo de abordagem. Trata-se da mais completa pesquisa desse tipo já realizada nos 24 anos de história do caso Perus.

Desde julho de 2014, quando teve início a pesquisa, a equipe ante-mortem visitou 14 cidades, distribuídas em sete estados do país, com objetivo de garantir contato presencial para a realização das entrevistas com os familiares, conforme orientam os protocolos internacionais de abordagem a familiares de vítimas de desaparecimento forçado.

A saída da equipe argentina
O desligamento anunciado pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) no final de dezembro último foi um dos temas abordados na reunião. Os representantes das instituições envolvidas lamentaram a saída do grupo argentino, em razão de outros compromissos profissionais e divergências quanto à metodologia.

A justificativa da EAAF ao sair é que deveriam ser priorizados os desaparecidos políticos com maior probabilidade de estarem na Vala. No entanto, integrantes do Comitê Científico ressaltaram que essa posição não diverge com o trabalho que vem sendo desenvolvido. Dada a grande mistura de ossos, seria arriscado descartar a priori um conjunto esquelético sem uma análise que permita aferir com precisão se são ou não compatíveis com os casos prioritários procurados. Além disso, destacou-se que o tempo empregado para compor o relatório de cada conjunto esquelético não compromete nem atrasa as entregas previstas e possui a vantagem de garantir maior rigor científico na busca dos desaparecidos políticos, prestando ainda um importante serviço para se conhecer o perfil das pessoas que foram ocultadas na Vala Clandestina.

“A metodologia escolhida foi fundamental para termos certeza do conteúdo das caixas”, afirmou o perito Samuel Ferreira. “Essa metodologia vai permitir identificar, no futuro, outras pessoas também, vítimas do Estado de repressão”, acrescentou a Procuradora da República, Eugênia Gonzaga. Tereza Lajolo, representando a Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, também defendeu a análise mais abrangente e meticulosa. “Eu não quero só descobrir o meu companheiro. Mas precisamos também estancar as mortes que ocorrem hoje com as mesmas explicações mentirosas forjadas naquela época”, disse.

O trabalho, conduzido por equipe multidisciplinar, conta com a excelência de peritos peruanos, antropólogos e arqueólogos forenses brasileiros, peritos oficiais do governo federal e com o acompanhamento do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Encaminhamentos
Ficaram definidos alguns pontos em relação ao funcionamento do Comitê de Acompanhamento, que serão acrescidos à portaria que o regulará. Entre eles estão a periodicidade de encontros de quatro reuniões ao ano, alteração do caráter do órgão de deliberativo para consultivo e revisão do detalhamento daqueles que podem compor o comitê.

Sobre o banco de material genético dos familiares de vítimas, definiu-se que um Protocolo de Coleta de DNA será elaborado pelo Comitê Cientifico, além do levantamento de instituições que poderão guardar as amostras e seus back-ups. Além disso, definiu-se que cada familiar que doar material genético receberá um certificado. Para aqueles que já doaram, será solicitado junto à Polícia Federal o resultado da análise genética.

A próxima reunião do Comitê de Acompanhamento acontecerá no dia 8 de maio de 2015, às 14h, no Arquivo Histórico de São Paulo - AHSP (Praça Coronel Fernando Prestes, 152, Luz).