A “Fonte Monumental” da Praça Júlio Mesquita

por Fatima Antunes

A São Paulo do início do século 20 era uma cidade em franca transformação. Ruas estreitas e tortuosas do período colonial davam lugar a avenidas largas, parques desenhados por urbanistas estrangeiros e edifícios públicos à altura de sua importância econômica. Foi quando se desenvolveu a ideia do “Centro Cívico”, que visava reunir, numa grande praça, o Paço Municipal, a Catedral, o Palácio da Justiça e o Congresso do Estado. Muitos imóveis foram demolidos no antigo Largo da Sé e ruas adjacentes, incluindo a própria Igreja da Sé, uma construção de taipa de pilão considerada acanhada para uma metrópole emergente. Do projeto original, no entanto, apenas a Catedral seria construída. E com o fim de embelezar a esplanada à sua frente - a atual Praça da Sé -, a Prefeitura contratou a escultora Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto (Campinas, 1874 — Rio de Janeiro, 1941) para confeccionar "uma fonte em mármore branco de Carrara e bronze dourado a fogo" (Lei no 1.742, de 18.9.1913).

Nicolina, uma das primeiras mulheres a se dedicar à escultura no Brasil, quando esse ainda era um campo dominado pelos homens, enfrentou muitos preconceitos, até mesmo ao se casar, em segundas núpcias, com o também escultor Rodolfo Pinto do Couto. A cidade do Rio de Janeiro dispõe de várias obras da escultora campineira em seu acervo de arte pública.

            Acredita-se que a artista e a firma Poli Eugenio, de Carrara, na Itália, responsável pela execução das partes em mármore da fonte, tenham se desentendido, o que retardou a execução e a entrega da obra. Passados dez anos da assinatura do contrato, a Prefeitura tomou medidas mais duras para pôr fim ao caso. Pela Resolução no 254, de 9 de junho de 1923, a Prefeitura ficava autorizada “a exigir de d. Nicolina Vaz Pinto do Couto, a execução do contracto a que se obrigou em 25 de outubro de 1913, sob pena de cobrança das despesas a que der causa com a aquisição e assentamento da fonte, no local designado, conforme o contracto referido”.

            Mas a trajetória da fonte não estava livre de novos percalços. Em 1924, a cidade foi invadida por tropas do General Isidoro Dias Lopes e sofreu bombardeios, que destruíram habitações, vias públicas e interromperam serviços. Retomado o ritmo de vida normal, providenciou-se a execução de concorrência pública para a contratação dos serviços necessários à montagem da fonte, vencida pelo arquiteto Giovanni Bianchi. Outro contrato foi lavrado, desta vez com o escultor Roque de Mingo, em 1926, para a fusão das peças decorativas em bronze.

            Obras de alargamento da Avenida São João, executadas em 1911, haviam resultado na abertura de uma praça de formato triangular, delimitada pela Rua Vitória, Alameda Barão de Limeira e a própria São João, denominada Praça Vitória — uma homenagem à Guerra do Paraguai. Por razões desconhecidas, abandonou-se o projeto de implantação da Fonte Monumental em frente à Catedral, optando-se pela Praça Vitória, medida que também visava ao embelezamento daquela que era, na época, a avenida mais larga da cidade.

            A Fonte Monumental foi finalmente inaugurada em 1927. No mesmo ano, a Praça da Vitória passou a se chamar Praça Júlio Mesquita, em homenagem ao fundador do jornal O Estado de S. Paulo.

            Assim como a Avenida São João, também a fonte da Praça Júlio Mesquita, popularmente conhecida como “fonte das lagostas”, não resistiu ao processo de degradação urbana que atingiu a região a partir dos anos 1960. Aos poucos, os componentes hidráulicos e os elementos decorativos de bronze foram furtados e destruídos. Já nos anos 1970, o fato inspirou Adoniran Barbosa e Tasso Rangel a comporem a música “Roubaram a lagosta”:

“Na Praça Júlio Mesquita / Tem a estátua da lagosta. / Quem passa de longe enxerga. / Quem passa de perto gosta. / E a lagosta de bronze / Fica esperando bom dia / Mas tem gente distraída / Que nem pra ela espia / Por uma razão muito forte / Ela em bronze foi lembrada / Inauguração na praça / Uma fita foi cortada. / Teve discurso, foguetes, / Teve churrasco e bebidas, / Teve mágicos e palhaços / Futebol, flerte e corrida. / Mas isso ficou para trás / Não sei que forma que tinha / Essas coisas não se faz / Agulha não vai sem linha. / Deixe a lagosta em paz / Muito bom ficar sozinha / Mas é melhor ficar seca ou molhada / Do que ser derretida ou roubada.”

            Com vistas à reversão do quadro de degradação da fonte, importante referencial na Avenida São João, foram contratados serviços de restauração pelo Departamento do Patrimônio Histórico/SMC, atualmente em execução. Em breve, a Fonte Monumental estará renovada e com suas inconfundíveis lagostas de volta.