Chuva de pétalas inunda o palco do Theatro Municipal em "A Sagração da Primavera"

Espetáculo festeja 50 anos de Balé da Cidade entre os dias 15 e 22 de setembro

Uma das obras mais impactantes do século passado, o balé A Sagração da Primavera ganha uma nova concepção cênica, criada por Ismael Ivo, diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo, para comemorar os 50 anos da companhia. A estreia ocorre no dia 16 de setembro, no Theatro Municipal.

A coreografia original concebida pela lenda do balé russo, Vaslav Nijinsky, rompeu regras. É o que conta Ivo. “As pessoas vinham de um balé mais comportado, conservador, e Ninjisky começou a quebrar formas e ritmos, como na música composta por Igor Stravinsky”, explica. “Os bailarinos clássicos daquela época começaram a enfrentar um vocabulário corporal a que não estavam acostumados.”

Tanto a música quanto a coreografia original têm inspiração em rituais para a obtenção de uma boa colheita. No palco, vários rituais se sucedem para celebrar a chegada da primavera, finalizando com a escolha de uma mulher para dançar até a morte em um ato de sacrifício.

O maestro Roberto Minczuk, que estará à frente da Orquestra Sinfônica Municipal, afirma ser uma das obras mais importantes da história. “Foi uma inovação jamais vista e consagrou Stravinsky como o compositor mais ousado de seu tempo.”

“A Sagração rompeu com todas as tradições até então, e o resultado foi uma música completamente original e inusitada”, explica Minczuk. Um exemplo: com mais de 100 músicos na orquestra, Stravinsky utilizou os mais diversos instrumentos, mas subvertendo em alguns momentos o seu uso, tocando instrumentos de corda, metal ou madeira como se fossem de percussão, ou seja, cujo som vem do impacto, como se fossem tambores. “Assim, ele criou figuras rítmicas que tornaram a peça intensa, como nada que se ouviu antes”, conta o maestro. “A escrita é menos baseada na harmonia tradicional e mais em reproduzir sons primitivos, o que tem a ver com a ideia do rito do sacrifício”. Para Minczuk, a música de #A Sagração# possui certa agressividade por conta de seus ritmos quebrados e não tradicionais. “Ela tem uma força que soa ao mesmo tempo algo muito moderno e muito primitivo”, comenta.

Chuva de pétalas

Para esta montagem, Ivo trouxe um questionamento a respeito do aquecimento global. A partir da indagação sobre a possibilidade de não haver uma próxima primavera, diante das mudanças climáticas e da interferência humana no meio ambiente, o palco do Municipal se transforma em um campo de batalha pela vida.

Com o intuito de gerar esse alerta para um futuro apocalíptico, é executada no prólogo uma gravação de Andreas Bick chamada Fire and Frost Pattern (Padrões de Fogo e Gelo, em tradução livre). Nela, o músico alemão registrou sons da natureza, como atividades vulcânicas e degelos. “Esse prólogo serve como um prenúncio da catástrofe”, afirma o coreógrafo. “Nesse momento, a comunidade se reúne para realizar o ritual da primavera. Mas agora, neste espetáculo, o ritual é de sobrevivência”, completa. Nessa gravação, escuta-se também o barulho de insetos, que seriam os únicos seres a sobreviver a essa catástrofe.

Uma das principais referências do coreógrafo para sua criação foi a pintura As Rosas de Heliogábalo, do holandês Lawrence Alma-Tadema. A obra retrata uma lenda na qual o imperador romano Heliogábalo teria tentado sufocar os convidados de uma festa, despejando pétalas de rosa sobre eles. A ideia é reproduzida no palco do Municipal. O que começa com uma leve chuva de pétalas, logo se torna uma tempestade. “Os bailarinos têm que, literalmente, lutar para fazer a coreografia”, afirma Ivo. “Eu disse para eles: quem falsificar, eu vou cortar a cabeça! (risos)”. Ao todo, 400 mil pétalas de rosa são despejadas a cada apresentação. “O que era lindo, acaba sendo uma tortura, e o que era belo e suave, começa a sufocar, então eu vou da beleza a essa ação física da resistência”, explica. No palco, a tempestade de pétalas representa um sinal do desequilíbrio do planeta. “Nesse contexto, celebrar a primavera é sobreviver”, conclui.

Por Gabriel Fabri

Theatro Municipal de São Paulo. Pça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro. +14 anos. 60 min. Dias 15, 18, 19, 21 e 22, 20h. Dia 16, 18h. R$ 12 a R$ 80