Teatro Lira Paulistana é relembrado

Bastaram apenas sete anos para que o Teatro Lira Paulistana revolucionasse a música popular brasileira

No final da década de 1970, o cenário musical brasileiro pós-AI-5 ainda não tinha descoberto nenhum talento que fizesse jus à inovação das letras e arranjos dos tropicalistas e da turma da Bossa Nova. Um novo sopro inspirador se instalaria a partir de 25 de outubro de 1979 no teatro que passou a ocupar um pequeno porão com capacidade para cerca de 200 pessoas, localizado na Praça Benedito Calixto. A região transbordava contracultura: era ponto de convergência de estudantes da USP, da PUC-SP e da geração antenada da Vila Madalena. Com sua efervescência particular, o Lira tornou-se o palco perfeito para a apresentação dos novos artistas que integraram o movimento conhecido como Vanguarda Paulista.

Vanguarda Paulista
A história começa com Arrigo Barnabé, compositor natural de Londrina, Paraná, que em 1979 participa com sua banda Sabor de Veneno do 1º Festival de Música Universitária realizado pela Rádio e Televisão Cultura (atual TV Cultura). A canção Diversões eletrônicas, interpretada por Neuza Pinheiro e com arranjos de base de Itamar Assumpção, ambos também paranaenses, conquistou o primeiro lugar. A participação garantiu, ainda, o fortalecimento dos laços entre Arrigo e outros integrantes da banda, como as paulistas Vânia Bastos e Suzana Salles, que se transformariam em figuras-chave do movimento conhecido como Vanguarda Paulista. “A Sabor de Veneno tinha um som efervescente, jovial, pulsante”, lembra Suzana, que, ao lado de Vânia, fez o backing vocal da música Infortúnio. As duas composições fariam parte do histórico LP Clara crocodilo (1980), considerado o marco inicial do movimento. Com músicas compostas por Arrigo, o álbum revolucionou a música popular brasileira ao combinar influências da música erudita contemporânea com elementos da cultura de massas, como histórias em quadrinhos, além de ter sido produzido independentemente. A crítica especializada considerou o trabalho como um dos mais significativos em música experimental do século 20.

Em torno dos principais expoentes da Vanguarda Paulista, Arrigo e Itamar, aglutinaram-se uma série de cantoras, como Tetê Espíndola, Eliete Negreiros, Vânia Bastos e Suzana Salles. Bandas como Premê (Premeditando o Breque), Língua de Trapo e Grupo Rumo também integraram o movimento. Muitos desses artistas tinham uma agenda fixa de apresentações no palco do Lira. Além do Teatro, que contava também com uma editora e uma loja de discos, os sócios Wilson Souto Jr. e Chico Pardal lançaram um selo independente. O álbum de estréia de Itamar, Beleléu, Leléu, Eu, gravado em 1980 junto com sua banda Isca de Polícia, foi bancado pela dupla.

Parceria com a Continental
O ano de 1982 inaugura a parceria com a gravadora Continental para a distribuição dos artistas do selo Lira Paulistana. Buscando compensar a demanda reprimida gerada pela censura, as gravadoras investiram pesado na descoberta de novos talentos. Mas a empreitada não seria tão simples. “A equipe de vendas de lá não estava preparada para comercializar aquele tipo de produto”, conta o ex-proprietário do Lira, Chico Pardal. Após um ano, o contrato de distribuição expirou e não foi renovado. A não-absorção pelo mercado coincidiu com o declínio do próprio Teatro. “O auge durou até 1984, enquanto os grupos ainda estavam em alta. Depois disso, não apareceu uma leva nova”, lamenta o empresário. “Exigências financeiras cobradas pelo então prefeito Jânio Quadros também contribuíram para o encerramento da casa”, completa. Reforçando o princípio vanguardista que sempre norteou a programação do espaço cultural, antes de fechar definitivamente as portas subiram ao seu palco bandas que estavam iniciando a cena punk brasileira, como o Ratos de Porão, Inocentes e Cólera.

Homenagem ao Lira
Frutos do experimentalismo surgido no Lira Paulistana existem até hoje. A inusitada mistura de gêneros musicais, por exemplo, é a receita da Patife Band, fundada por Paulo Barnabé, irmão de Arrigo, em 1983. Combinando acordes de punk rock com a composição dodecafônica, a banda é uma das atrações da Biblioteca neste mês. Também fazem shows em homenagem ao Teatro a cantora Suzana Salles, ao lado do músico e compositor Paulo Padilha, e a banda Língua de Trapo. Bate-papos alternam convidados como Skowa (criador juntamente com Jorge Benjor do samba rock, e presença constante no Lira como integrante de diversas bandas), Paulo Barnabé, Suzana Salles e os ex-proprietários do Teatro, Wilson Souto Jr. e Chico Pardal.

Serviço: Homenagem ao Teatro Lira Paulista. Biblioteca Pública Alceu Amoroso Lima. Rua Henrique Schaumann, 777 - Pinheiros. Zona Oeste. Grátis

  • BATE-PAPO
    Com Skowa, Mário Manga e Turcão (músicos) e Wilson Souto Jr. (Gordo). Mediação: Laert Sarrumor (vocalista do grupo Língua de Trapo).
    Pinheiros completará no dia 15 de agosto, 448 anos. Fato marcante na sua história recente, cujos ecos ainda ressoam com força expressiva e o Lira Paulistana merece destaque nas comemorações de seu aniversário. O porão da Rua Teodoro Sampaio, convertido em teatro de 200 lugares, tornou-se, no início dos anos 80, uma espécie de centro cultural alternativo onde se reuniam músicos e representantes das diversas expressões artísticas da cidade. Na sua curta existência, foi palco de toda uma geração de artistas, incluindo os músicos desde então conhecidos como Vanguarda Paulistana.
    / Dia 15, 19h
  • BATE-PAPO
    Com Chico Pardal (ex-proprietário do Teatro Lira Paulistana), Paulo Barnabé (músico) e Suzana Salles (cantora). Mediação: Laert Sarrumor (vocalista do grupo Língua de Trapo).
    / Dia 22, 19h
  • SHOW: PATIFE BAND
    Com Paulo Barnabé (bateria e vocal), Paulo Braga (piano) e Matheus Leston (sintetizador).
    Criada em 1985 por Paulo Barnabé, irmão de Arrigo Barnabé, a banda nasce com a influência das técnicas de composição erudita contemporânea das quais surgem ritmos assimétricos, células atonais, harmonias dodecafônicas. Há também assumida influência de punk-rock, jazz e ritmos brasileiros. Com formação diferente da original, busca atualmente novas sonoridades.
    / Dia 16, 18h
  • SHOW: SUZANA SALLES
    Convidado: Paulo Padilha.
    Integrante da chamada Vanguarda Paulista, Suzana iniciou sua carreira com Arrigo Barnabé na Banda Sabor de veneno, e Itamar Assumpção, na Banda Isca de Polícia. Com eles gravou, respectivamente, Clara crocodilo e Às próprias custas S/A. Tem parcerias com Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Chico César e Paulo Padilha. O seu último CD solo, As sílabas, foi apontado pela crítica como um instigante instrumento de resistência dentro do atual panorama musical brasileiro. Ao lado do músico e compositor Paulo Padilha, a cantora apresentará canções de Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e Luiz Tatit, além de relembrar momentos marcantes de sua carreira.
    / Dia 23, 18h
  • SHOW: LÍNGUA DE TRAPO
    Com Laert Sarrumor (voz), Sérgio Gama (voz, violão e bandolim), Marcelo Castilla (acordeão e teclado), Zé Miletto (teclados), Valmir Valentim (bateria), Cacá Lima (baixo e vocal) e Marcos Arthur (percussão).
    No show Allegro ma non Trappo, a banda paulistana com mais de 25 anos de estrada se mantém irônica e atual. O show será mesclado, de maneira irreverente, de paródias, piadas e esquetes. Serão apresentados sucessos como, Conchetta, Tudo para o Paraguai, Força do pensamento, Country os brancos e ainda músicas inéditas.
    / Dia 30, 18h