Vencedora do Pulitzer, ópera contemporânea fala de abuso sexual pela perspectiva da vítima

“p r i s m”, de Ellen Reid, estreia dia 4 de setembro no Theatro Municipal

“A ópera tem um longo histórico de retratar abuso contra as mulheres pelos olhos de seus abusadores homens, os protagonistas dessas peças”, explica a libretista Roxie Perkins. “Assim, as experiências das vítimas são comumente relegadas a pano de fundo para a história dos abusadores”. Em “p r i s m”, a autora decidiu, então, rebelar-se contra essa tradição do gênero musical e centrar a história sob a perspectiva das sobreviventes: uma mulher vítima de abuso sexual e a sua mãe, que não sabe como protegê-la ou ajudá-la com esse trauma.

Vencedora do Pulitzer de Melhor Composição Musical para Ellen Reid e do prêmio de Melhor Ópera Inédita de 2018 pelo Music Critics Association of North America, a obra chega ao Brasil a partir do dia 4 de setembro no Theatro Municipal de São Paulo. O espetáculo, dividido em três atos, tem regência do maestro Roberto Minczuk, titular da Orquestra Sinfônica Municipal, e a maestrina Naomi Munakata à frente do Coral Paulistano.

Sem colocar em cena os abusadores, a peça traz dois retratos contrastantes de como um trauma pode afetar a saúde mental, mostrando as suas consequências tanto na vítima, Bibi (a mezzo soprano Rebecca Jo Loeb), quanto na sua mãe, Lumee (a soprano Anna Schubert). “Através da história da filha, vemos como a experiência do trauma pode congelar o desenvolvimento emocional de uma pessoa, reprimir suas memórias e fazê-la se desassociar do próprio corpo”, explica a libretista. “Já a experiência de Lumee mostra como estar próximo de uma vítima de abuso pode te transformar em uma pessoa paranoica, controladora e ansiosa.”

As duas personagens vivem isoladas no Santuário, local símbolo do mundo de fantasia que a mãe criou para proteger a filha, tentando apagar o passado de Bibi. Santuário, entretanto, é também o nome da casa noturna onde a garota passou pela tragédia. “Descobrimos que, no passado, essa balada era o único lugar no qual Bibi se sentia livre”, completa Roxie, que ressalta serem ambos os espaços, na verdade, uma ilusão. “Um não é verdadeiramente mágico e seguro, e o outro tampouco é mágico ou libertador.”

A música de “p r i s m”

Ellen Reid ressalta que a sua composição acompanha os sentimentos da vítima. “A música é um reflexo direto do mundo interior de Bibi”, afirma. “Nós escutamos o seu medo, a sua raiva e o seu entusiasmo na orquestração e nos tons de sua música”. Por isso, Ellen transita por diversos estilos musicais e sonoridades, variando a cada ato. “O tom às vezes é esperançoso; em outras, é devastador.”

A compositora detalha a paleta musical de cada ato. “O primeiro pisca para o passado de Bibi, com ricas harmonias e melodias, soando como um sonho e também um lugar seguro”. Segundo ela, essa primeira parte também tem influência dos acordes suaves da Bossa Nova brasileira. “O segundo ato começa com uma explosão. É moderno, desorientador e absolutamente diferente do primeiro”, explica. “A música vai da exuberância do coral a batidas de trap até algo muito calmo, quase como um canto gregoriano”. Por fim, a música do terceiro ato ressalta a brutalidade e crueza da realidade de Bibi, soando raivosa e barulhenta. “O ato final está no limite das possibilidades”, conclui a compositora.

Por Gabriel Fabri

| Theatro Municipal. Dias 4, 5, 7, 10, 11, 13 e 14, 20h. Dias 8 (com áudio-descrição), 18h. Ingressos: R$ 120 / R$ 80 / R$ 20. 16 anos.