Valter Hugo Mãe participa de bate-papo na Biblioteca Mário de Andrade

Evento marca novas edições de “As Mais Belas Coisas do Mundo”, “O Nosso Reino” e “Contos de Cães e Maus Lobos”

Conhecido por seu estilo único que negligencia, muitas vezes, o uso de letras maiúsculas, o escritor português Valter Hugo Mãe participa de um debate nesta segunda-feira, dia 17, na Biblioteca Mário de Andrade (BMA), com a jornalista Adriana Couto. O encontro marca novas edições de três obras do autor pelo selo Biblioteca Azul (Globo Livros): o seu primeiro romance, “O Nosso Reino”; o conto “As Mais Belas Coisas do Mundo”, que ganha pela primeira vez uma edição exclusiva; e a coletânea “Contos de Cães e Maus Lobos”. As três obras abordam o universo da infância.

Antes do debate, o escritor conversou sobre os temas que permeiam a sua obra, como a relação com a morte e a solidão, e também deu conselhos para novos escritores.

Confira a entrevista completa:

Por que já chegou a afirmar que a solidão é um tema que permeia toda a sua obra? Você acredita que ela se encontra nesses livros também?
Sim, essa questão da ansiedade para o encontro com os outros; a noção do desacompanhamento, de desamparo; eu procuro solucionar em todos os textos. Acho que essa é uma das grandes tragédias da consciência humana, já que, de alguma forma, somos todos grandezas à procura do entendimento, da comunicação. A literatura e a arte é toda uma expectativa de ver um interlocutor, por isso esse interlocutor seria alguém que tem vocação para terminar a solidão.

Em entrevistas anteriores, você comentou que tenta desmontar ideias que temos como verdades apenas porque elas são muito repetidas. Quais dessas “verdades” você acha mais necessária ser desmontada nos dias de hoje?
Todos os preconceitos, tudo aquilo que parece acarretar em divisões, em diferenças de pessoas, raças ou culturas. Não há verdadeiramente culturas melhores ou piores, não há raças piores ou melhores. Existem experiências, vontades e, por isso, precisamos reequacionar todas as nossas diferenças quando nos deparamos com outras e, sobretudo, conduzir nossa vida através do respeito e da dignificação de nós mesmos e dos outros.

Quais dessas “verdades” são desmontadas nos seus novos livros?
Nesses três livros, para mim, é muito importante desmistificar a relação com a morte, vista como a fratura absoluta, a tragédia absoluta da vida. É muito importante criar um discurso em que a morte seja enquadrada na natureza, e não numa hipótese de fé ou espiritual, que muitas vezes é puramente fantasiosa. Em “As Mais Belas Coisas do Mundo”, tento fazer com que a perda de alguém seja esclarecida a partir de uma enunciação emocional, e não a partir de coisas que considero idiotas, como dizer que os mortos são uma estrelinha que se acendeu no céu. Esse tipo de discurso acaba sendo um modo de estupidificar as pessoas e as crianças.

Quais os paralelos que você traça da cultura portuguesa com a brasileira? De que maneira isso aparece nesses livros?
Meus livros têm uma portugalidade profunda, mas em algumas situações, sobretudo na utilização da língua, há uma liberdade que é típica de alguém que lê textos em português que chegam de diversas latitudes. Eu sou muito atento à literatura brasileira, e isso tem proporcionado um enriquecimento da minha linguagem e do meu imaginário, o que se pode notar nesses livros.

Que dicas você daria para novos escritores?
Nunca desistirem, nunca se precipitarem e duvidarem muito. O grande erro dos novos escritores é ter poucas dúvidas a cerca do que fazem. Eu também fui um novo escritor e cometi esse equívoco. O texto quando vira o objeto-livro não está a salvo. Vale a pena esperar um pouco mais e amadurecer a qualidade da escrita. O livro impresso não vai disfarçar: ou ele é bom ou não é.

Por Gabriel Fabri