História atraente e bem contada

Fonte: O Estado de S. Paulo

De volta ao cartaz, After Darwin provoca reflexão sobre as implicações da ciência com matéria-prima teatral: conflito humano

Crítica Beth Nespoli

Fundado no fim da década de 90 pelo ator Carlos Palma, sob estímulo da calorosa recepção ao seu solo Eisntein, o grupo Arte e Ciência no Palco vem criando diferentes espetáculos que envolvem os chamados saberes científicos. O objetivo, que perpassa todo o repertório, não é divulgar conhecimentos científicos - ainda que isso ocorra, o que vem atraindo alunos e professores entusiasmados à platéia-, mas provocar reflexão sobre as implicações, no cotidiano, das pesquisas científicas e suas aplicações. Mais ou menos bem-sucedidos - Copenhagen e Eisntein certamente são pontos altos nessa trajetória -, todos os textos foram escolhidos e trabalhados sob esse viés.

O mais recente deles, After Darwin, reestréia agora no Centro Cultural São Paulo depois de uma temporada relâmpago no Masp, onde dialogava com a exposição sobre o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Também no CCSP volta ao cartaz A Dança do Universo, que tem personagens como Galileu, Newton e Kepler, e um infantil, Rebimboca & Parafuseta, no Masp, que, embora escrito por Carlos Palma, foge à temática que funda essa companhia.

Criado a partir do texto escrito pela inglesa Timberlake Wertenbaker, After Darwin já pode ser colocado entre os melhores espetáculos do repertório do grupo. Antes de mais nada, atinge o objetivo maior ao mostrar, com clareza, como a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies mudou radicalmente a visão dos homens sobre a origem da vida no planeta, e abalou valores morais e religiosos seculares. E, igualmente importante, o faz com linguagem lúdica, prazerosa, ao tratar do tema com matéria-prima teatral - o conflito.

A autora soube tirar proveito do choque de pensamento entre Darwin (Carlos Palma) e Robert Fitzroy ((1805-1865), o capitão do navio Beagle (Oswaldo Mendes) durante uma longa viagem pela América do Sul, fundamental para as descobertas do naturalista. A partir dessa relação brotam conflitos internos - as dúvidas, contradições e medos desses homens diante de suas próprias descobertas - e externos, no choque entre o jovem entusiasmado e o velho capitão conservador.

Para melhor explorar esse conflito, a autora lançou mão de um recurso que nada tem de novidade - o teatro no teatro. Oswado e Palma são também atores que ensaiam uma peça sobre Darwin e Fitzroy e interrompem o ensaio para 'discutir a relação' entre os personagens. Seria óbvio, e mesmo maçante, se autora aproveitasse essas brechas para 'dar aulas'. Mas não. O que interessa nessas interrupções é melhor compreender sentimentos e emoções, mais uma vez, matéria teatral.

Há ainda um conflito entre os atores, uma disputa pela sobrevivência no cenário teatral, que envolve a diretora da suposta peça interpretada por Vera Kowalska. Inserida com a intenção de criar uma ponte entre a teoria e cotidiano, acaba sendo camada menos importante, uma espécie de tempero. Um bom texto é ponto de partida, mas a grande qualidade do espetáculo brota mesmo do jogo entre os atores. Palma e Oswaldo tiram proveito da longa parceria e da experiência com temas científicos. Depois de terem passado pela difícil temática da física quântica em Copenhagen, termos científicos bem mais familiares como os da biologia soam naturais no palco. Exploram, assim, muito à vontade, as nuances dos personagens e sobre ambos a atenção do espectador se detém. Vera imprime um tom talvez exasperado demais à sua diretora, mas que acaba adequado à insegurança de sua personagem, uma imigrante que tem de 'enfrentar' atores ingleses.

Uma história atraente bem contada por atores talentosos e experientes é material suficiente para resultar em bom teatro. After Darwin funda-se nesses dois elementos, mas vale lembrar que a milenar arte teatral acumulou outras sabedorias. A encenação pode trazer prazeres estéticos outros ao público na forma como maneja objetos cênicos e cria soluções para cenografias, tempos, espaços. Nada disso se faz presente na encenação bem pouco criativa desse espetáculo. Talvez a falha nem seja da diretora Rachel Araújo. Oswaldo e Palma parecem ter confiado demais no melhor que tinham a dar: texto e atuações. E a peça vale mesmo ser vista por essas qualidades. Mas o prazer estético que proporciona poderia ser ampliado numa encenação mais ágil e atraente, que tirasse maior proveito do clima de ensaio proposto pelo tema, com suas surpresas e indagações.


After Darwin. 90 min. 14 anos. Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho (324 lug.). Rua Vergueiro, 1.000, telefone 3383-3400, metrô Vergueiro. 6.ª e sáb., 21 h. R$ 15. Até 29/9A

Dança do Universo. 90 min. 14 anos. Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho . 5.ª,21 h; dom., 20 h. R$ 15. Até 30/9

Rebimboca & Parafuseta. Recomendação da produção: a partir de 5 anos. 70 min. Masp. Av. Paulista, 1.578. Inf. 3081-8865. Dom., 11 h. R$ 10. Até 19/8