Atlas fotográfico da cidade de São Paulo e seus arredores

Abertura: Sábado, 9 de julho das 11h às 14h


9 de julho a 16 de outubro de 2016

Cidade inacabada
Guilherme Wisnik

Qual é a verdadeira cara de São Paulo? Quais os seus limites? Será possível figurar na mente uma imagem qualquer dessa massa informe e tentacular que desafia, por sua escala e complexidade, qualquer esforço de cognição humana?

Essas são perguntas sem resposta, e que só podem ser levadas a sério através de duas posturas aparentemente opostas: a ficção, por um lado, ou o experimento científico, por outro. Partindo de regras e métodos muito claros, o trabalho de Tuca Vieira flerta claramente com o segundo caminho. O fotógrafo queria conhecer melhor a cidade na qual nasceu e vive, e, ao mesmo tempo, ser capaz de registrá-la fotograficamente. Mas como fazê-lo? Por onde começar? Diante da evidente impossibilidade da empreitada, escolheu um critério objetivo e impessoal: basear-se no guia de ruas da cidade. Isto é, seu trabalho consiste em produzir uma foto para cada página dupla do guia, que, por sua vez, corresponde a um número. Assim, cada número, ou página dupla, representa uma seção quadrada que divide a mancha urbana da região metropolitana de São Paulo em 203 partes iguais. 

Note-se que a escolha do guia de ruas não é um critério qualquer. Ao mesmo tempo que dá conta de quase toda a extensão da mancha urbana da metrópole, o guia permite também uma apreensão palpável da cidade, uma vez que sua escala é feita para possibilitar a identificação de todas as suas ruas e praças. Tem-se, portanto, através do guia, um trânsito possível entre as partes e o todo da cidade, algo que era chave para a realização desse projeto de mapeamento. Entra em cena aqui um elemento crucial do projeto: a experiência real do espaço. Afinal, para que visitar ao vivo lugares que estão plenamente mapeados pelo Google e pelos sistemas de georreferenciamento da cidade? 

Daí o aspecto algo quixotesco do projeto. Podemos imaginar o grau de infortúnios cotidianos enfrentados para a consecução da tarefa, que envolve imensos deslocamentos, congestionamentos, gastos com combustível e equipamentos, cansaço e eventuais problemas com segurança. E assim como o guia de ruas é um instrumento em total desuso nos dias de hoje, também o fotógrafo opta por registrar a cidade não através de máquinas leves e portáteis, e sim com uma câmera artesanal de grande formato com chapas individuais, montada cuidadosamente sobre um tripé, o que torna cada foto um ritual cênico claramente anacrônico. 

Aqui retomo o aspecto ficcional do trabalho. Pois Tuca Vieira tempera o método científico empregado com um importante halo de ficcionalidade, próprio de quem sabe não haver respostas exatas, muito menos únicas, para o problema em questão: o retrato da cidade. Resulta daí um esforço de Sísifo, algo inglório, para se realizar um trabalho cujo sentido parece escapar ao bom senso.

Afinal, podemos pensar a sua ação de catalogação como um ato silencioso de construção paralela de outra cidade latente que nós ainda não vemos, enquanto a cidade que vemos continua se transformando continuamente. A propósito, como bem notou o ensaísta francês Georges Didi-Huberman, “se o atlas aparece como um trabalho incessante de recomposição do mundo, é, em, primeiro lugar, porque o mundo mesmo sofre decomposições constantes”.

An Unfinished City
Guilherme Wisnik

What is the true face of São Paulo? What are its borders? Is it possible to get any sort of mental picture of this formless, tentacular mass which by its scale and complexity defies any effort of human cognition?

These two questions without an answer can only be seriously considered by way of two apparently opposite standpoints: on the one hand, fiction, and on the other, scientific experiment. Based on very clear rules and methods, Tuca Vieira’s work clearly flirts with the latter path. The photographer wanted to better know the city in which he was born and lives, and, at the same time, to register it photographically. But how could he do that? Where could he begin? In light of the evident impossibility of the undertaking, he chose an objective and impersonal criterion: he based his work on a guidebook to the city’s streets. His work consists of producing a photo for each double page of the guidebook, which, for its part, corresponds to a number. Thus, each number, or double page, represents a square section that divides the amorphous area of the São Paulo Metropolitan region into 203 equally sized parts.

Note that the choice of the street guide is not just any criterion. At the same time that it covers nearly the entire extension of the metropolis’s urban area, the guide also allows for a tangible grasp of the city, since it is made on a scale that allows for the identification of all its streets and public squares. The guidebook thus provides a link between the parts and the whole of the city, something that was essential for carrying out this mapping project. A crucial element of the project enters here: the real experience of the space. After all, in what sense is it necessary to visit locations in the city which are fully mapped by Google and geo-referencing systems?

This lends the project a quixotic aspect. We can imagine the degree of day-to-day problems and setbacks faced in the consecutive steps of the task, involving extensive travel, costs for fuel and equipment, tiredness and eventual security risks. And just as the street guidebook is a tool that has fallen into disuse nowadays, the photographer also chose not to record the city through lightweight and portable devices, but rather with an artisanal, large-format camera with individual photographic plates, carefully mounted on a tripod, which makes every photo a clearly anachronistic scenic ritual.

Here I return to the work’s fictional aspect, because the scientific method used by Tuca Vieira is tempered with an important halo of fictionality, proper to someone who knows that there are no exact or exclusive answers to the task in question: the portrait of the city. This gives rise to a Sisyphean and somewhat inglorious effort, to carry out a work whose sense seems to be at odds with common sense.

We can ultimately consider his action of cataloging as a silent act of construction running in parallel with another latent city that we do not yet see, while the city we do see continues to be continuously transformed. As noted by French essayist Georges Didi-Huberman, “If the atlas appears as an incessant work of re-composing the world, it is first of all because the world itself does not cease to undergo decomposition upon decomposition.”


Evento: Atlas fotográfico da cidade de São Paulo e seus arredores 
Abertura: sábado, 9 de julho de 2016 das 11h às 14h
Período expositivo: 9 de julho a 16 de outubro de 2016 

Local: Casa da Imagem 
Endereço: Rua Roberto Simonsen, 136B 
CEP: 01017-020 - Sé – São Paulo SP 
Telefone: 11 3106-5122 - Ramal 203/205  
Horário de Funcionamento: de terça a domingo, das 9 às 17 horas 
Entrada gratuita