As histórias e os tesouros dos cemitérios de São Paulo

Um simples passeio por cemitérios como o da Consolação, o mais antigo de São Paulo, criado em 1858 e tombado pelo Patrimônio Histórico, pode se tornar uma agradável viagem cultural.

Passear por alguns cemitérios pode ser uma verdadeira viagem cultural e histórica. Como no cemitério da Consolação, o mais antigo de São Paulo, criado em 1858 e tombado pelo Patrimônio Histórico.

Ali é possível voltar à época em que os cemitérios eram mal vistos pela população, onde eram enterrados somente indigentes e escravos. O costume mandava sepultar os mortos cristãos nas igrejas.

A partir do início do século XX, quando os cemitérios já não faziam distinção de classe social, a maneira das famílias mostrar seu status era por meio de túmulos e mausoléus construídos em mármore e granito, decorados por artistas e escultores de renome. Os túmulos de maior valor são estimados em até R$ 500 mil.

Os cerca de 8,5 mil túmulos do cemitério da Consolação vão desde construções simples a obras dos artistas Victor Brecheret, Luigi Brizzolara e Galileo Emendabili. O mausoléu da família Matarazzo, o maior da América Latina, tem 20 metros de altura, 150 m2 e esculturas em bronze de Brizzolara.

Para encontrar esses tesouros é preciso a ajuda de um perito, no caso o guia Francivaldo Gomes, o “Popó”, que há 3 anos desvenda os segredos do Consolação aos visitantes. Popó herdou o posto do historiador Délio Freire dos Santos, precursor no trabalho de catalogação das obras tumulares. Trabalhando como sepultador, Popó observava as explicações do historiador aos visitantes. “Depois eu anotava o nome da pessoa e perguntava ao Délio por que ela era importante”, conta o guia.

Popó não se cansa de andar pelo cemitério e repetir essas histórias. São dezenas de datas, que ele raramente erra. Fazem parte da visita os túmulos com as obras dos grandes escultores, os de personalidades famosas, como a Marquesa de Santos, dos modernistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, do ex-presidente Washington Luis, e dos que dão nome a ruas, praças e estádios mas que poucos sabem porque receberam tal homenagem.

Pontos de visitação

Como não poderia deixar de ser, o Consolação abriga o túmulo de uma “criança santa”, adorada pelos devotos católicos. É Antoninho da Rocha Marmo, morto aos 12 anos, de tuberculose. Mesmo num dia de chuva, quando não se via uma alma no cemitério além dos coveiros, o túmulo de Antoninho recebia visitantes.

A capela e a sede da administração também são ponto de visitação por terem sido projetadas por Ramos de Azevedo, arquiteto do Theatro Municipal. “O prédio da administração, aliás, foi sede do primeiro IML (Instituto Médico Legal) da cidade”, vai dizendo Popó. O guia homenageia seu “mestre” com uma parada no túmulo de Délio Freire. “Ele prestou um grande serviço à história”, justifica. “É uma forma de agradecer”.

Passeio com "guia"

No cemitério São Paulo não estão enterrados tantos famosos quanto no da Consolação. Mesmo assim, não falta história. No Mausoléu dos Esportistas, por exemplo está sepultado Arthur Friedenreich, que os sepultadores dizem ter sido alguém importante, sem saber exatamente porque. Pesquisando, descobre-se que Friedenreich foi um dos grandes jogadores de futebol do início do século passado. Dizem que foi o maior artilheiro de todos os tempos, maior até que Pelé.

Há 23 anos trabalhando no cemitério São Paulo, Nilson Gimenez já se tornou uma espécie de ‘guia’ no local. No começo, estranhou, mas hoje nem pensa em trocar de emprego e acha seu trabalho uma experiência que faria bem a todo mundo. “Você vê gente de nariz empinado, de quem nunca chegaria perto em vida, e aqui são todos iguais”, diz.

O cemitério acumula também as velhas histórias de sempre, como pichadores, vândalos, jovens invasores e moradores de rua em busca de abrigo. “Já peguei um homem tomando banho aqui às 9h da manhã”, conta Maurício Canatelli, administrador do cemitério. O São Paulo está sendo revitalizado, com a pintura dos muros e a troca das calçadas externas. Canatelli espera conseguir em breve iluminação e segurança, ao menos no período noturno.

Bem diferentes dos cemitérios suntuosos do centro são os da periferia. No Vila Formosa, o maior da América Latina, com 763 mil metros quadrados e 20 enterros ao dia, as sepulturas são todas iguais. Sobre o túmulo há somente um pequeno jardim, uma cruz e uma placa em mármore com a identificação. O Vila Formosa acolhe especialmente pessoas de baixa renda da zona leste. Muitos, jovens vítimas de morte violenta.

Como a menina Débora, aos 5 anos de idade, em 1983, esquartejada por uma vizinha, que tinha ciúmes do carinho que o marido sentia por ela. Os devotos creditam uma lista de milagres à criança, para quem deixam flores, bonecas e até uma chupeta.

Localizado em um enorme vale onde muitas das árvores foram preservadas, o cemitério tem um espaço livre no centro onde as crianças da região gostam de empinar pipas.