Pimenta deixou os estudos ainda no ensino fundamental
para trabalhar como caminhoneiro

Texto: Samuel Fragoso
Foto: Acervo

O consumo anual de álcool no Brasil é alto, cerca de 6,12 litros por pessoa, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgados em 2022. Para se ter ideia, no mesmo levantamento, foi constatado um consumo de 0,02 litros por pessoa, na Líbia e no Afeganistão. Por outro lado, Letônia, República Tcheca e Ilhas Cook estão no topo do consumo, com índices acima de 12 litros.

Wagner Fernandes Pimenta, ou simplesmente Pimenta, 56, que está acolhido no Centro de Acolhida (CA) São Mateus, zona leste da cidade de São Paulo, fez parte dessa estatística durante mais de três décadas, entretanto, tomou a decisão de ser protagonista de uma bonita história que envolve superação e muita resiliência. Pimenta conviveu com a dependência desde os 15 anos, mas há três não ingere nenhum líquido com teor alcoólico.

“Não foi fácil, mas estou conseguindo me manter há quase três anos sem nenhum contato com o álcool. As vezes saio para resolver alguma coisa e as meninas (assistentes sociais) ficavam preocupadas comigo, com medo de ter alguma recaída. Algumas pessoas na rua chegam a me oferecer álcool, mas não quero isso nunca mais para a minha vida”, disse Pimenta.

Nascido no Jardim Imperador, zona leste, Pimenta é o caçula de seis filhos, estudou até a 4ª série do ensino fundamental e à época, foi trabalhar de servente de pedreiro junto com um de seus irmãos, mas logo depois começou a trabalhar como caminhoneiro. “Eu trabalhei muito como caminhoneiro, viajava muito. Ia até o sul de Minas Gerais, em Varginha. Sempre foram viagens muito marcantes, sempre fazia seis horas ou mais de viagem”, contou.

Durante esse período, o consumo excessivo de álcool começou a crescer e Pimenta logo ficou em situação de rua. Foram quase 30 anos passando por diversos serviços da Prefeitura como o CA Canindé, CTA Prates e o antigo Centro de Acolhida da Brigadeiro Luiz Antônio. Há quase seis anos, Pimenta está no CA São Mateus, acompanhado pela equipe multidisciplinar do espaço, além dos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Em 2019, Pimenta foi submetido a um processo de desintoxicação devido ao uso de excessivo de álcool.

Os livros como símbolo de uma nova etapa

Após iniciar o processo de recuperação, Pimenta descobriu um hobby que o fez mudar realmente seus hábitos: a leitura. Começou com gibis, principalmente da Turma da Mônica, que ele considera como favorito. Hoje, se orgulha de contabilizar mais de 20 livros lidos em três anos.

“A demanda de leitura dele é muito grande e nossa biblioteca não dá conta de suprir. Trazemos alguns livros de casa, alguns emprestados para não parar o ritmo de leitura. Ele tem uma peculiaridade na leitura, em todo livro lido costuma anotar em um papel os principais personagens”, revelou Siane Muniz, assistente social do CA São Mateus.

No processo de reorganização do Pimenta, a família e a Turma da Mônica tiveram papel fundamental. No aniversário de 53 anos, o espaço realizou uma festa de aniversário para aquele que é visto como grande exemplo, com a presença dos familiares e da personagem dos quadrinhos, Mônica.

“Fiquei muito feliz porque no meu aniversário vieram meus irmãos e meus sobrinhos. Chorei bastante. Quando antes de cantarmos parabéns apareceu a Mônica, menino, que surpresa e lá foi eu começar a chorar de novo. Meus irmãos me perguntavam por que eu estava chorando e eu falava que era de felicidade. Nunca tinha tido uma festa de aniversário daquele jeito”, disse. Já no seu último aniversário, a visita foi de oura integrante da Turma da Mônica, a da personagem Magali.

A Mônica é a personagem favorita de Pimenta e
marca o início de sua paixão pela leitura

Atualmente, Pimenta está estudando no Centro de Educação Infantil (CEI)-Educação para Jovens e Adultos (EJA) em São Mateus e faz aulas de informática. “Na aula de informática estou apanhando um pouco, sempre conto para as meninas (orientadoras do serviço), mas vou conseguir.

“Quando cheguei aqui, a situação em que o Pimenta se encontrava me impactou muito. Tenho muito orgulho de ter passado pela história de recuperação dele. Consigo ver tanta mudança, que até na escola que ele estuda já virou conselheiro para discutir novas ideias para os espaços ociosos”, contou Siane.

A vida que eu tinha antes não era uma vida para mim, nunca mais quero passar pelo que passei”, completa Pimenta.

“Na aula de informática estou apanhando um pouco, sempre conto para as meninas (orientadoras do serviço),
mas vou conseguir” (Pimenta)