Prédio revitalizado de 1910 vira novo lar para artistas com mais de 60 anos

Conhecido como Palacete dos Artistas, endereço no centro abriga as memórias da efervescência cultura paulistana de outras décadas

Na Av. São João, uma das ruas mais agitadas do centro de São Paulo, existe um prédio com mais de cem anos, mas com cara de novo, que acolhe dezenas de artistas. Com paredes cor de rosa claro e janelas verde musgo, o local tem um clima de passado, quando observado por gerações mais novas sem a metade das memórias de seus moradores. Os traços da velha arquitetura dão um ar de cenário de cinema, que toma sua forma completa ao saber que o local abriga atores, diretores, bailarinos e outros artistas com carreiras de mais de 50 anos que garantem sua originalidade.

Antigamente, a construção era o formoso Hotel Cineasta, porém o tempo foi apagando sua história e fez com que suas instalações fossem abrigo para pessoas sem teto. Para que seu glamour voltasse, um projeto foi elaborado pela Secretaria Municipal da Habitação com indicações de Desenho Universal dos técnicos em da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Criou-se então o Palacete dos Artistas, moradia destinada a artistas com mais de 60 anos e renda de até três salários mínimos.

O edifício foi todo revitalizado pensando na diversidade humana. São 12 apartamentos, além de todas as áreas sociais acessíveis para todas as pessoas, independente de suas características pessoais, idade, ou habilidades. Barras de apoio nos banheiros, portas e corredores com espaços de 80 cm de largura para passagens de cadeira de rodas, rampas de acesso, pisos táteis são alguns dos itens do conceito Desenho Universal aplicados no Palacete.

Após a revitalização ser concluída, o prédio passou a ser o lar de nomes conhecidos de décadas passadas e que hoje não conseguem bancar um valor alto de aluguel. “Alguns dos inquilinos contam que imaginavam que a fama fosse algo eterno, e a única preocupação que tinham era os hotéis de luxo que iriam se hospedar e nos shows a serem realizados”, comentou Ana Verrone, responsável pelo plantão social do conjunto.

Esse condomínio está longe de parecer com residências comuns. Frequentado por pessoas criativas e ativas que não medem esforços para melhorar o local onde vivem, onde é palco de atividades como bazares e festas. “A união dos moradores é o que, certamente, distingue o Palacete dos Artistas dos demais conjuntos habitacionais. Os projetos propostos tem apoio de todos”, completa Anna.

O título de primeiro residente é do ator e diretor Sebastião Apollônio, de 72 anos, que por conta de a um atropelamento tem sua mobilidade comprometida. “Na rua não posso andar sem bengala porque fico sem segurança”, conta. Assim como em todos os 12 apartamentos acessíveis, o diretor dispõe da ajuda de barras de apoio espalhadas pelo imóvel. “No banheiro facilita porque a gente não tem tanto equilíbrio, e eu preciso mesmo segurar em alguma coisa”, relatou.

Natural de Ponte Nova, Minas Gerais, Apollônio foi para o Rio de Janeiro estudar na Fundação Brasileira de Teatro, na época a maior da América do Sul. Apaixonado por teatro desde os nove anos, hoje está com quatro peças em cartaz, entre elas As Mona Lisas e A Sogra que Pedi a Deus. “Eu não tenho vocação para a TV, eu gosto mesmo é de teatro”, declarou o diretor.

Olhando um antigo álbum de fotos, o ex-bailarino Amilton Rodrigues, de 79 anos, recordou histórias de seu tempo de espetáculos e se emocionou ao contar de quando quebrou o pé no palco e, após sua recuperação, foi surpreendido com uma festa. Hoje, por ter Síndrome de Parkinson e necessitar de uma cadeira de rodas para se locomover, também mora em um dos apartamentos adaptados pelo desenho universal de acessibilidade. “Ele era muito inseguro e agora pode segurar na barra. O outro banheiro, onde morávamos, era pequeno, então ele se sentia incomodado, sem espaço para se movimentar”, destacou Valdemir, responsável por Amilton e mais conhecido pelo apelido Buda.

“Um detalhe muito pequeno, mas ao mesmo tempo grandioso” declarou Buda sobre o avanço de Amilton, que já conseguiu caminhar com ajuda de um andador. “Para ele é uma vitória andar sozinho e ter independência”, finalizou. Desde a mudança, o ex-bailarino tem se animado com o movimento do prédio e as visitas dos vizinhos, demonstrando estar feliz no novo lar.

O Palacete dos Artistas agora é um verdadeiro palco para os artistas com mais de 60 anos. Com toda a união, experiência e memória dos moradores, vale conhecer um pouco da história cultural de outras décadas combinando uma xícara de café com o Apollônio, Ana e Amilton.