Projeto de artesanato para idosos do PAI Boracea é selecionado entre os melhores do País

Fazer arte com as mãos, além de ser um lazer, colabora com a construção de vínculos afetivos e a saúde dos idosos, assim como a autoestima, o cuidado e a memória

 

As costas podem doer um pouco, e a vista pode estar um tanto fraca, mas as mãos não se aquietam. “Estou fazendo fuxico para não ficar parada, para não pensar na dor e para me distrair”, conta Maria Ono, de 78 anos. Ela é uma dos 30 participantes do projeto Arte no Domicílio, promovido pelo Programa Acompanhante de Idosos (PAI) da UBS Boracea, que usa o artesanato como ferramenta de promoção da saúde.

Iniciado em 2015, o Arte no Domicílio foi selecionado este ano como uma das 10 melhores iniciativas, no Sistema Único de Saúde (SUS), de cuidado domiciliar com a pessoa idosa. Em dezembro, o projeto será apresentado em Brasília, na primeira edição do Mapeamento de Experiências de Excelência no Cuidado à Pessoa Idosa no Contexto Domiciliar, promovido pelo Ministério da Saúde.

“Estamos falando de saúde de uma forma diferente: sem falar de doenças”, explica a supervisora do PAI Boracea, Camila Rocha. Segundo ela, o reconhecimento foi uma surpresa para a equipe. “A gente faz o trabalho, mas nem sempre consegue ver a importância que ele tem”.

Idosas se mantêm saudáveis ao fazer o que gostam – e nem percebem o tempo passar


O PAI Boracea atende 113 idosos nos territórios das UBS Boracéa e Bom Retiro, e também do CSE Barra Funda, no Centro de São Paulo. Dentro dele, o foco do Arte no Domicílio é em idosos em isolamento social, com depressão e mobilidade reduzida. A ideia é dividir as funções de acordo com os gostos de cada participante.

Maria Ono, por exemplo, além de fazer fuxico, é uma das que costura as bolsas que serão distribuídas como presentes aos idosos na festa de fim de ano do PAI. Cida dos Santos, 80, também tem produzido as bolsas. “Eu preciso de muito serviço e não tenho. Por isso que adoro fazer essas coisas”, afirma.

Ao longo de todo o ano, os idosos do Arte no Domicílio produzem as várias peças visando à festa. “Vão surgindo várias coisas por parte deles, e nós dividimos as funções. O que eles não conseguem fazer, a equipe ajuda”, afirma a supervisora.

Tudo o que é utilizado no artesanato vem de doações de parceiros ou dos próprios idosos, que doam material reciclável. “Tem umas que não saem dessa sala, só buscando material. A Deusa, por exemplo, demanda tanta coisa que eu tenho que ficar caçando coisa para mandar pra ela”, brinca Camila.

Deusa Denuzzo, 81 (que, na verdade, é 8.1, ela gosta de dizer), usa o talento com crochê para fazer os tapetes que serão colocados no bingo na festa. Artesanato é com ela mesma. “E eu vou ficar fazendo o quê? Vendo TV? Deixo a TV ligada só para não ficar sozinha mesmo”, dispara.

Para a festa, Deusa está preparando também as garrafas decorativas. Dedicada a um dos lotes que recebeu, foi dormir às 2h numa noite – repreendida pela filha e pelas acompanhantes, quando souberam da história. “É que era tão fácil, só enrolando. Gostei demais de fazer”, ela se justifica.

Os benefícios são grandes, aponta Camila. Além de lazer, o artesanato colabora com a construção de vínculos afetivos e a saúde dos idosos, assim como a autoestima, o cuidado e a memória. “Também é uma forma de combater ao isolamento social e, principalmente, de ter esperança em novos cuidados de saúde por meio e através da arte”.

Técnica artesanal já dura há pelo menos 150 anos

O fuxico é uma técnica artesanal que utiliza restos de tecidos para compor trouxas que, quando entretecidas, formam flores coloridas. Elas servem para decorar roupas e acessórios – blusas, vestidos, bolsas, colares. A arte de fuxicar remonta há pelo menos 150 anos.
Na região nordeste do Brasil, as mulheres se uniam para confeccionar e, enquanto isso, colocavam fofocas e mexericos em dia, ou seja, realizavam seus famosos fuxicos. Esse costume inspirou o nome de batismo da prática artesanal.