Projeto de enfrentamento à violência doméstica beneficia mais de 100 mil mulheres

Foram formadas 160 agentes comunitárias para entrega qualificada da cartilha “Mulher, vire a página” e acolhimento às vítimas

A cerimônia reuniu mais de 200 pessoas e concentrou emoção ante o empoderamento que a ação começou a semear no território e ao aumento das notificações de violência doméstica

 

 

Por Cecília Figueiredo


A Cidade Tiradentes encerrou na semana passada o projeto “Mulher, vire a página”, de enfrentamento à violência doméstica. Realizado por dois anos no bairro da periferia da zona Leste, pelo Grupo de Enfrentamento a Violência Doméstica (GEVID) Núcleo Leste II do Ministério Público Estadual (MPE-SP), em parceria com a Coordenadoria Regional de Saúde, Supervisão de Saúde Cidade Tiradentes e o Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM) Casa Anastácia, o projeto consistiu na entrega da cartilha “Mulher, vire a página” a mais de 100 mil mulheres.

Para chegar às mãos de cada mulher, a cartilha que esclarece a Lei Maria da Penha (11.340/2006), foi levada de casa por casa pelas 160 agentes de saúde das oito unidades básicas de saúde com Estratégia Saúde da Família (ESF). Para esse trabalho, muita formação no decorrer do processo e também a descoberta das trabalhadoras da saúde sobre a garantia de seus direitos de mulher.

A secretária-adjunta de Saúde, Célia Bortoletto, valorizou o trabalho realizado pelas agentes comunitárias de saúde e a efetivação de uma iniciativa que busca esclarecer e superar a violência contra a mulher. “Me dá uma sensação de muita felicidade fazer parte desse momento”, ressaltou Célia ao reencontrar várias ACSs do período de implementação da ESF na Cidade Tiradentes, em 2004, quando foi coordenadora de Saúde no distrito.

Claudia Afonso Castro, coordenadora da Regional de Saúde Leste, elogiou a escolha da promotora Fabíola Sucasas, para implementar o GEVID na Cidade Tiradentes. “Todos nós iremos passar, mas as agentes serão sempre reconhecidas por mudar a vida das mulheres de Cidade Tiradentes”, acrescentou.

Incentivar a notificação da violência

O distrito da cidade é um dos mais vulneráveis e ainda há uma subnotificação dos casos de violência, incluindo a de gênero. Levantamento da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo mostra que, entre 2010 e 2015, 95.154 notificações de violência foram realizadas. Deste total, 52% (49.929) das vítimas são mulheres e a maioria na faixa etária de 20 a 29 anos de idade (24.494). Crianças, entre zero e nove anos de idade, representam 10% dos casos (10.139).

De acordo com Marta Pozzani, enfermeira e supervisora de Saúde da Cidade Tiradentes, há um empenho para capacitar os profissionais da saúde a notificarem casos de violência, não apenas física. “É preciso estar atento a violência moral, psicológica, patrimonial e não apenas contra a mulher, mas contra uma criança também, que muitas vezes é quem indica um ambiente onde há violência”.

Trabalho em rede

O subprefeito de Cidade Tiradentes, Miguel Reis Afonso, lembrou que o trabalho integrado que nasceu do projeto se mostrou um sucesso. “Uma das formas de garantir cidadania é integrando o trabalho entre as várias instituições que estão a serviço da população”.

Trabalho em rede, aliás, foi uma das principais marcas para que o projeto tivesse êxito. Marca que esteve presente nas apresentações culturais. Seja do jovem rapper da comunidade, o Nup, que mandou críticas aos assassinato de jovens da periferia por policiais, mas também um convite à luta pelo caminho da poesia, da informação e da rima. Ou das turmas de crianças do Ballet, que se apresentaram no CEU Inácio Monteiro, imprimindo graça e leveza ao evento.

Os ganhos da iniciativa, segundo o subprocurador geral de Justiça de Relações Externas, José Antonio Franco da Silva, foram evidenciados também pela mudança na forma de atuar do Ministério Público: “pela prevenção”.

Primeiros sinais

A cerimônia, que reuniu mais de 200 pessoas, concentrou emoção ante o empoderamento que a ação começou a semear no território e ao aumentou das notificações de violência doméstica. “O machismo, a desigualdade ainda está muito arraigado nas estruturas. Precisamos combatê-lo. Mas, com esse trabalho em rede, em parceria, conseguimos chegar onde nossas pernas não alcançam. Hoje estamos tendo de 10 a 12 casos novos por mês. Porque ao ser orientada, a mulher recorre a nós para pedir ajuda”, disse Fabiana Pitanga, coordenadora do CDCM Casa Anastácia.

Antes de apresentar o documentário, produzido pelo MPE-SP, Marta Pozzani, reforçou a importância das parcerias para fazer saúde. “Dá muita alegria encerrar a campanha dos 16 dias de ativismo, pelo fim da violência contra a mulher, sabendo que podemos empoderar mais mulheres para tomada de atitude”.

Já a promotora Fabíola Sucasas, idealizadora do GEVID Núcleo Leste II reiterou, durante palestra, que “lidar com violência contra a mulher não é apenas lidar com um estigma cultural arraigado, o machismo. É mexer com sentimento, é mexer com a construção de uma vida. É lidar com o meio social, com a maleficência das drogas, com a omissão estatal. É lidar com a dor”.

Semente germinada

As agentes comunitárias de saúde de cada unidade básica apresentaram, por meio do audiovisual, do teatro, de um coral e uma roda de conversa, o significado destes dois anos de trabalho para as pessoas de sua comunidade e para elas próprias. “Comecei a entender o que muitas mulheres sentiam”, afirmou a ACS Catarina Jesus Santos. “Somos o elo da saúde com a comunidade, agentes de transformação”, acrescentou a ACS Eliane Ferreira da Silva.

O evento foi prestigiado pelo vereador de São Paulo, Paulo Fiorillo, que destinou emenda parlamentar para a reforma da UBS Gráficos e melhorias na estrutura do Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) Cidade Tiradentes.

Em 2016, o GEVID Leste II estará em Guaianases

Estiveram também presentes, Leandro Feitosa, psicólogo, pesquisador e técnico do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, no serviço de responsabilização para homens autores de violência; Maria Luiza Franco Garcia, interlocutora da Supervisão Técnica de Saúde Guaianases - distrito onde o projeto GEVID Núcleo Leste II será implementado em 2016 -; as assessoras técnicas da CRSL, Amelia de Freitas e Eliane Katy; a equipe técnica da STS Cidade Tiradentes; a promotora de Justiça Fernanda Narezi e a equipe técnica do GEVID.