Idosas se encontram após trocar cartas por um ano

Ambas fazem parte do Projeto Carta ao Amigo, da Secretaria Municipal da Saúde, premiado entre 77 trabalhos de todo o país

Dona Elvira recebe a visita de Dona Cecília sua companheira na troca de cartas

 

Por Cristiane Guterres e Daniele Rodrigues 

Há quanto tempo você não escreve ou recebe uma carta? Difícil lembrar. A rapidez dos meios eletrônicos de comunicação fez com que este ato singelo caísse em desuso e se perdesse. Dona Elvira, de 93 anos, mora no Butantã. Já Dona Cecília, de 83, reside na zona Norte. Elas são dá época em que “se falar” por cartas era tão comum quanto, hoje, enviar um e-mail. Para espantar a solidão, por um ano trocaram correspondências. Enfim, se encontraram pessoalmente. Ambas fazem parte do Projeto Carta ao Amigo, elaborado pelo Programa de Acompanhantes aos Idosos (PAI) Butantã e PAI Maria Cecília Donanngelo (Freguesia do Ó/Brasilândia). O Carta ao Amigo foi premiado em Brasília, entre 77 projetos de todo o país, durante o Seminário Nacional de Gestão na Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.

O Projeto do PAI envolveu 44 idosos entre 66 e 93 anos. Foram centenas de cartas trocadas e, depois de tanta intimidade exposta no papel, foi natural que os idosos quisessem se conhecer pessoalmente. Para tanto uma festa foi organizada, especialmente para reuni-los, na Casa de Cultura Brasilândia.

‘Coloquei até peruca, passei batom e escolhi um vestido bonito’

A grande dificuldade de locomoção de Dona Elvira impediu que ela fosse ao evento. Sensível ao problema, as duas equipes do PAI promoveram o encontro na casa da idosa, no Butantã. “Apesar de estar com a cabeça ruim, esquecendo muito das coisas, eu não escrevia. Só falava e a minha acompanhante escrevia”, disse. Para ela, foi mais do que um simples encontro. “Eu só tenho a agradecer a visita da Dona Cecília. Fiquei muito ansiosa e tive vontade de me arrumar, coloquei até peruca, passei batom, escolhi um vestido bonito e arrumei o quarto, porque sou muito bagunceira”, afirmou Dona Elvira.

O PAI Butantã foi a organização parceira no desenvolvimento do Projeto Carta ao Amigo, idealizado por Evelyn Rebecca Andrade de Miranda, Supervisora do PAI Maria Cecília Donnangelo, que atende idosos da zona norte de São Paulo. Incomodada com a situação de isolamento vivida por alguns idosos da Freguesia do Ó e Brasilândia, Evelyn desenvolveu um projeto de baixo custo, que permitiu a participação dos idosos.

Durante um ano, os usuários das duas regiões trocaram correspondências. Em cada carta, uma história; em cada história, uma nova amizade surgia e, a cada amizade, os acompanhantes de idosos puderam enxergar melhoras na recuperação de cada um. Quem não sabia escrever, ditava a carta para o seu acompanhante. Quem sabia, treinou a escrita e a leitura.

‘Ferramentas de reinserção social’

Para duas equipes de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa de São Paulo, as cartas serviram como uma ferramenta de reinserção para o convívio social. O Projeto diminuiu os mais 20 quilômetros que distanciam a zona Oeste da zona Norte. Também aumentou as expectativas de pessoas que já não esperavam muita coisa da vida. Por meio das correspondências o projeto estimulou nos idosos sentimentos como a curiosidade e a empatia. Permitiu a eles resgatar suas histórias de vidas, pois toda carta é construída com história e toda vida é mais animada com amigos.

Para as equipes do PAI, o reconhecimento recebido no Seminário foi gratificante. “O prêmio foi muito importante, nos deixou muito felizes e honrados pelo reconhecimento do trabalho. Ele incentiva o desenvolvimento das ações, apontando que estamos no caminho certo para a construção de uma Política Pública de assistência e inclusão à população idosa e com a esperança de ver o PAI tornando-se uma Política Nacional de atendimento ao idoso”, afirmou Luciana Rebello, do PAI Butantã.