90% das mortes maternas ocorridas no município poderiam ter sido evitadas

Na data nacional de reflexão e alerta sobre o tema, 28 de maio, especialistas alertam para a importância do caráter educativo e conscientizador do pré-natal

Por: Camila Brunelli

Foto: Freepik

Os dados de mortalidade materna na cidade de São Paulo são preocupantes, principalmente no que diz respeito a comorbidades que poderiam ser tratadas ou controladas. As principais causas de morte de mães durante a gestação e puerpério são, em ordem decrescente: hipertensão (crônica ou pré-eclâmpsia), hemorragia, cardiopatias, complicação em abortos (espontâneos ou provocados) e infecção puerperal. A maioria dessas patologias pode ser evitada ou controlada com atenção pré-natal e atendimento hospitalar adequados.

O número ideal de consultas durante a gestação é sete, mas para o Presidente do Comitê Central de Mortalidade Materna do Município de São Paulo, o médico Carlos Eduardo Pereira Vega não é o suficiente. “Têm de ser consultas de qualidade, não adianta se o médico nem olhar na cara da paciente. Tem que medir barriga, aferir pressão, pesar, ouvir suas queixas e orientá-la de forma adequada.”

A participação e o comprometimento das pacientes, no entanto, é condição para que o cuidado seja completo. Vega relata que além das pacientes que faltam nas consultas e não são localizadas, há outros problemas que os profissionais da rede enfrentam durante o período. “Muitas deixam de tomar algum medicamento prescrito porque não consideram necessário, uma vez que se sentem bem, ou alguém fala que não precisa...”, comentou.

A diretora da Escola Municipal de Saúde, Sandra Regina de Godoy, doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de São Paulo (EEUSP), especialista e mestre em Enfermagem Obstétrica e Neonatal pela EEUSP-SP, além de Presidente do Comitê de Mortalidade Materna e Infantil do município de Fernandópolis, acredita que essa é uma das funções do acompanhamento da gestante durante a gravidez: “O papel do pré-natal tem de ser também educativo, para conscientizar a mulher da sua importância nesse processo.”

Questão social. É fundamental considerar, ainda, que a mortalidade materna está diretamente relacionada às condições sociais, econômicas e culturais dessas gestantes. “A literatura especializada relata que as mulheres mais pobres são mais vulneráveis aos abortos inseguros e clandestinos, enquanto mulheres de melhor condição econômica têm acesso a abortos mais seguros, mesmo que clandestinos. Mulheres negras, indígenas e migrantes sofrem maior discriminação no acesso à saúde e são mais vulneráveis a violências”, informou Sandra.

Vega, por sua vez, ressalta a importância do caráter interssetorial na luta pela redução da mortalidade. “Antigamente o médico que era único responsável pela piora ou melhora dessa situação. Hoje, já sabemos que todos os profissionais têm um papel nesse contexto: o enfermeiro, o agente comunitário, o assistente social, o psicólogo... todos.”

“Ficou constatado que a morte materna é maior que uma questão de saúde, é também uma questão social que deve ser resolvida no âmbito de outras políticas sociais como a do trabalho, renda, habitação, transporte, assistência social, entre outras, além das políticas de educação”, completou Sandra Godoy.

O município vem atuando em muitas frentes nessa luta: investimentos em planejamento familiar e conscientização com intuito de evitar gravidezes na adolescência; colocação de implantes anticoncepcionais subdérmicos em mulheres do grupo de risco como em situação de rua e/ou dependentes químicas; colocação de DIU no pós-parto e redução do número de cesáreas – está em curso um levantamento encomendado pela Prefeitura para saber se e quanto esse procedimento interfere no índice de mortes dessas mulheres. Mesmo assim, infelizmente, em São Paulo esses índices tiveram uma piora. O índice de mortalidade materna é calculado a cada três anos, e foi de 42,9 para cada 100 mil nascidos vivos, para 45,3 no último período.

Contra-referência. Logo depois do parto, o próprio hospital deve marcar a primeira consulta para essa mulher na sua UBS de referência, de 7 a 10 dias depois de dar à luz. É importante que essa consulta aconteça o mais rápido possível, pois o maior índice de mortes maternas se dá no puerpério, período que se estende até 42 dias depois aborto ou do bebê nascer. “Caso haja uma infecção puerperal, quanto mais rápido os profissionais da unidade conseguirem detectar, menos trabalhoso vai ser o tratamento”, completou o presidente do Comitê.

Capacitações. A Área Técnica de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde em conjunto com a Escola Municipal de Saúde, Coordenadorias Regionais de Saúde e Escolas Municipais Regionalizadas, estão construindo um curso, na modalidade semi-presencial, que visa contribuir para novas práticas da relação entre profissionais de saúde e as mulheres que utilizam nossos serviços.

O objetivo do curso é desenvolver ações de Educação Permanente aos profissionais das Coordenadorias Regionais de Saúde, potencializando a visão dos direitos sexuais e reprodutivos e enfrentamento à violência de gênero.
A inclusão dessa perspectiva no processo de formação dos funcionários da saúde nos diversos níveis é uma forma de contribuir para a construção de uma prática não sexista no atendimento à saúde além de promover a igualdade de gênero em suas práticas cotidianas.

A princípio o curso destina-se aos profissionais dos níveis básico, médio e universitário, cargos e segmentos que atuam na Secretaria Municipal da Saúde; profissionais e Agentes Comunitários de Saúde das Organizações Sociais, prestadores de serviço da SMS.