Rastreamento de câncer de mama feito fora da faixa etária alvo pode não ser benéfico

Metade das mamografias realizadas pelo SUS em São Paulo foi feita em mulheres de 40 a 49 anos.

 Por: Laura Leite Pacheco

  O grande número de mamografias feitas por mulheres de 40 a 49 anos vem levantando questões para o SUS (Sistema Único de Saúde). A realização de mamografias nessa faixa etária não é recomendada pelo Ministério da Saúde, mas segundo o ISA (Inquérito de Saúde da Cidade de São Paulo) 2015 mais de 60% dessas mulheres fizeram o exame nos dois anos que antecederam a realização da pesquisa e que 56,8% das mulheres que realizaram a mamografia nos últimos dois anos fizeram este exame utilizando o SUS. A faixa etária indicada é dos 50 aos 59 anos.
  De acordo com o Dr. Luís Fernando Pracchia, médico oncologista da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, um dos motivos para o alto número de mamografias realizadas nessa população é que muitos médicos ficam divididos entre seguir a diretriz oficial ou as recomendações da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), que aconselha o rastreamento já a partir dos 40. Como muitas faculdades só informam sobre recomendações da SBM, uma grande parte dos médicos vão para o sistema público com essa formação. “Dentro de um sistema público as pessoas deveriam seguir o protocolo do sistema público e não de outro” enfatiza ele.
  A conscientização dos funcionários acerca dos malefícios do rastreamento fora da faixa é prioridade para a equipe da Secretaria Municipal de Saúde. A SMS procura enfatizar o protocolo e fazer treinamentos com as equipes para que eles entendam o porquê é tão importante realizar os exames dentro da faixa etária indicada pelo Ministério da Saúde.
   Pracchia afirma que o mais importante é que fazer com que o profissional saia do automático e se informe mais sobre as origens e consequências das suas ações: “Nós fiscalizamos, e quando vemos que estão fazendo errado fazemos a normatização, abrimos portarias etc. Se o profissional não tiver consciência do que ele está fazendo, entendendo as limitações, ele vai continuar fazendo errado.”
   A doutora Renata Junqueira, médica especialista em medicina de família e comunidade e mestre em saúde coletiva OS - Santa Catarina explica que além de poder resultar em um falso positivo, o que cria stress e ansiedades desnecessárias a paciente, o exame realizado sem indicação médica pode resultar em um “sobrediagnóstico” e “sobretratamento”: “por exemplo, a paciente pode ter um cisto mamário, comum em pacientes jovens, sem necessidade de intervenção cirúrgica ou de biópsia. Quando essa paciente faz uma mamografia desnecessária, tem uma chance aumentada de, por conta da imagem da patologia benigna nesse exame, ser indicado um procedimento cirúrgico ou um exame invasivo (como uma biópsia) para essa paciente, expondo-a a riscos de procedimentos desnecessários.” ela conta. Apesar de não indicado e podendo trazer malefícios, o rastreamento fora da faixa etária alvo não é estritamente proibido.
   Pracchia e Junqueira concordam que o número excessivo de mulheres abaixo dos 50 anos realizando mamografias possa ser resultado das campanhas de conscientização do câncer de mama realizadas na mídia, que são muitas vezes não são direcionadas ao público ao qual a realização do exame é indicada. Junqueira reconhece que campanhas realizadas pela tv e/ou pelo rádio podem ser uma ferramenta útil para elucidar questões e informar populações mais vulneráveis, mas que a maioria falha nesse sentido. “Muita vezes campanhas veiculadas na mídia ‘vendem’ a realização de exames como sinônimo de cuidar da saúde” explica Junqueira “quando exames só são realmente benéficos se necessários.”