Formatos acessíveis de obras literárias são discutidos em seminário sobre a LBI e o Tratado de Marrakesh

Evento reuniu dezenas de pessoas com e sem deficiência, entidades e membros da sociedade civil que discutiram, na Câmara Municipal, impasses de caráter jurídico entre as duas legislações

O auditório Prestes Maia, da Câmara Municipal de São Paulo, foi palco do seminário “Diálogos sobre o Tratado de Marrakesh e a Lei Brasileira de Inclusão”. Realizado na última quinta-feira, 1° de dezembro, o evento reuniu dezenas de pessoas com e sem deficiência, entidades e membros da sociedade civil que debateram e esclareceram seus impasses de caráter jurídico entre as duas legislações que abordam o direito de acesso a obras literárias e científicas com acessibilidade.

A ação foi organizada pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED) e pelo Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo (CMPD-SP).

O secretário adjunto da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, Dudu Braga, discursou sobre a importância e a ideia de elaborar este diálogo: “Ambas as legislações – Tratado de Marrakesh e LBI – tem o objetivo de garantir o acesso a obras com acessibilidade para cegos e pessoas com deficiência visual. Porém, muitas dúvidas apareceram e ponderações divergentes de algumas entidades também. Por isso, nós da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida decidimos organizar este seminário para iniciarmos uma conversa de forma democrática com especialistas na área do direito para sanar todos estes questionamentos”, disse o adjunto.

Dando inicio ao debate, o procurador e assessor da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, Vinícius Gomes dos Santos, esclareceu como funciona um tratado internacional, desde sua criação, promulgação e qual sua influência na legislação: “O Tratado de Marrakesh, assim como os demais, não tem o objetivo de revogar uma Lei em vigor no país, ele apenas insere outros itens. Além disso, o acordo ainda não foi implementado no Brasil. Em regra geral, ele vai permitir que cada país institua exceção ou limitação a direito de reprodução, distribuição, colocação à disposição, representação ou execução pública para facilitar o acesso da obra em formato alternativo”, esclareceu Santos.

O diretor institucional da União dos Cegos do Brasil (UNCB), Carlos Ferrari, iniciou sua fala apresentado o formato do acordo fechado em Marrocos: “O Tratado tem 22 artigos e estipula os princípios da não descriminalização, da igualdade de oportunidade, da acessibilidade e da participação e inclusão plena das pessoas com deficiência. Essas mesmas concepções estão retratadas na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e na Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, ambas em vigor no país”, comentou Ferrari.

Em contraponto, Naziberto Lopes Oliveira, membro do Movimento pelo Livro e Leitura Acessíveis (MOLLA) e do Movimento Cidade para Todos (MCPT), expôs sua versão sobre o Tratado: “De forma alguma somos contra o acordo de Marrakesh, mas não concordamos sobre o peso que está sendo dado a esta legislação no território nacional. Aqui no Brasil temos a Convenção da ONU, que apresenta todos os princípios de uma vida digna e justa para a pessoa com deficiência. A LBI foi sancionada após muito debate, inclusive com os movimentos independentes, mas acreditamos que o Tratado transpasse o avanço que conseguimos com a Lei Brasileira de Inclusão”, discursou Oliveira.

Esclarecendo as diversidades, o procurador Santos explicou o protocolo das leis: “O Tratado de Marrakesh não vem para revogar uma lei já existente no país pois ele ainda não foi sancionado no território nacional. Uma vez ele não vale como legislação, o acordo não tem o poder de derrubar uma lei ordinária como a LBI e os artigos 42 e 60. Temos que observar e analisar muito bem a redação do Tratado para realmente identificar o que é poder e dever”.

Seguindo as discussões, Ferrari esclareceu também a definição de formato acessível e as instituições autorizadas para adaptar obras literárias e científicas, segundo o Tratado de Marrakesh: “São reproduções que não tenham o objetivo comercial, porém, que deem o ao beneficiário acesso pleno a esta obra. Isto significa que não adianta um livro ser feito em diversos formatos se o leitor não compreende o conteúdo, por este motivo a lei estabelece instituições aptas para realizar estas adaptações”, citou.

Com o intuito de enaltecer o direito da pessoa com deficiência para o acesso a informação e conhecimento, Oliveira comentou sobre os avanços da legislação: “Em 1998, quando foi publicada a Lei de Direitos Autorais, nós que tínhamos alguma deficiência éramos tratados como exceção, agora, com a LBI, somos regra! Não podemos ser impedidos de ir a uma livraria e comprar um livro, em todos os lugares estes materiais adaptados precisam estar disponíveis! E não são as entidades autorizadas que irão resolver este problema”, falou.

Finalizando a conversa, Ferrari pontuou as preocupações da implementação do Tratado de Marrakesh no Brasil: “São quatro tópicos importantes que deveremos discutir; como vamos reconhecer as entidades autorizadas, se iremos criar um catálogo nacional acessível para facilitar a disposição do conteúdo, como vamos organizar esta plataforma e quais formatos serão disponibilizados. Se decidirmos estes aspectos, o acordo só irá beneficiar a todas as pessoas cegas e com deficiência visual”, concluiu.