Prisões, privações e sonhos

Conheça histórias de atletas e orientadores sócio-educativos que participaram do Festival de Futsal da População de Rua

Antes do Festival de Futsal da População de Rua, cada jogador reagia de forma diferente à ansiedade. Alguns ficavam irritados e cobravam dos organizadores o início da competição. Outros aproveitavam o treino restante para treinar.

Um desses participantes era João Neto de Jesus Rocha. Frequentador da Casa de Acolhida João Paulo II há mais de um ano, o palmeirense sonha com uma oportunidade de trabalho. “O futebol também me ajuda a sair da rua”, afirma Rocha, que usou drogas a partir dos dez anos de idade. Hoje em dia, João sonha em ter uma família e uma casa. Ele também busca esquecer os problemas familiares e as teimosias que o levaram a ser usuário de drogas.

Wellington Brito Oliveira, de 19 anos, ficou entusiasmado ao saber do festival de futsal. Na tentativa de arrumar um emprego, Oliveira saiu da Bahia e veio para São Paulo em busca de um emprego, apesar de não ter carteira de reservista. O segundo passo era passar em uma peneira e atuar em um time de futebol. Até o momento, o também palmeirense não conseguiu atingir nenhum dos dois objetivos. Ao chegar na cidade, Wellington começou a passar os dias nas ruas e as noites em um galpão da Avenida Zaki Narchi, na zona norte. “Meu sonho é conseguir alguma coisa no esporte”, conta Oliveira, que também cogitou a possibilidade de atuar no atletismo.

Além de sonhar em ser esportista, Wellington nunca usou drogas. “Eu tento aconselhar meus colegas, mas eles nem sempre escutam. É uma falta de interesse das pessoas. Oportunidades não faltam”, afirma o morador em situação de rua, referindo-se a projetos como o da Aliança de Misericórdia.

Gumercindo Monteiro, missionário da Aliança de Misericórdia, já viu situações bem diferentes da vivenciada por Wellington Oliveira. “Certa vez, um rapaz que estava jogando comigo em um desses campeonatos foi reconhecido em um campeonato, pois atuava anteriormente no (Grêmio) Barueri. Ninguém sabia que ele era jogador de futebol. Ele era jogador profissional, mas as drogas o levaram para rua, onde ele está até hoje”, relata Monteiro.

O missionário conhece a realidade das ruas. “Meus pais brigavam muito. Aquilo me incomodava. Meu pai era alcoólatra e batia na minha mãe. Teve um dia em que ia entrar em casa, mas meu pai me falou que eu não era filho dele. Eu tinha 13 anos de idade e fui pra rua”, relembra Gumercindo. Ele passou a usar drogas e ficou preso durante 15 anos. “Quando eu fui acolhido, fiquei na Casa Restaura-Me. Cheguei lá cabeludo, mau cheiroso e muito louco. Eles não olharam pra situação em que cheguei, sequer falaram ‘vai tomar banho primeiro’. Eles vieram e me abraçaram”, ressalta.

Após quase dez anos, Gumercindo vivencia uma situação diferente. Nesse período, ele se tornou missionário, iniciou o curso supletivo do Ensino Médio e vai ingressar no curso superior de Serviço Social em 2014. Sua noiva também trabalha na Aliança da Misericórdia, com atuação no Centro de Acolhida João Paulo II. Hoje em dia, ele transforma as experiências negativas que teve na rua em lições para aqueles que tentam se livrar das drogas e sair de situações vulneráveis. “Muitas vezes, eles não vão aos centros de acolhida por causa do almoço, mas sim para desabafar. Muitos passam a noite inteira usando drogas.Tem alguns que chegam a pedir: ‘você não pode arranjar uma internação para mim?’, conta Monteiro, que não consegue se afastar do trabalho nem mesmo no período das férias.

Ajudado por missionários como Gumercindo, João Damasceno dos Santos Filho nasceu na região Nordeste, mas veio para São Paulo em busca de oportunidades. Ao chegar aqui, deparou-se com as ruas e as drogas. Sem conseguir se entender com os companheiros, já se envolveu em brigas e foi para a cadeia. Com medo de não conseguir se adaptar, Damasceno acaba desistindo das oportunidades dadas por centros de acolhida como o João Paulo II. Mesmo com várias internações, algumas no interior de São Paulo, João ainda não conseguiu se livrar das drogas. Por enquanto, sua única distração é o esporte. Elogios não faltam para a atividade: “O esporte ajuda na minha saúde, no meu ego. É a primeira vez que fazemos esse encontro nesse ano. Essa atividade te ajuda a ter mais conhecimento”, comenta João.

Do lado de fora da quadra, Everaldo dos Santos, de 59 anos, ficava observando os passes, dribles e brincadeiras dos companheiros. Amargurado, Santos aproveitou o momento para desabafar sobre oportunidades de trabalho, violência e Copa do Mundo. Pai de três filhos, Everaldo preferiu não contar detalhes sobre sua vida nas ruas: “Só Deus sabe minha história”, responde o morador em situação de rua.

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Texto:

Juliana Salles - jsalles@prefeitura.sp.gov.br

Fotos do campeonato - Paulo Dias - psdias@prefeitura.sp.gov.br

Foto da reunião - Arquivo pessoal - Adriano de Camargo

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