Infográfico: política de drogas e encarceramento

Infográfico lançado pelo ITTC mostra relação de países que apresentaram aumento do encarceramento após adoção de políticas tolerantes com o uso de drogas

Fonte: Instituto Terra, Trabalho e Cidadania 

Delitos relacionados a drogas estão entre os maiores motivos de encarceramento no mundo e é necessário atenção aos possíveis resultados de determinadas políticas de drogas.

O infográfico lançado pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) na última quinta-feira (7) apresenta um levantamento sobre os 36 países nas Américas e na Europa que, de alguma maneira, flexibilizaram suas políticas de drogas, com análise dos 22 países nos quais houve aumento da população encarcerada desde o marco da mudança da lei até meados da década de 2010.

A intenção do infográfico não foi traçar um relação causal direta entre as políticas de drogas e o aumento do encarceramento, mas sintetizar informações que permitam refletir sobre as implicações dessas políticas para o sistema de Justiça. O objetivo central é enriquecer a discussão sobre políticas de drogas, propondo um enfoque no tema do encarceramento, com destaque para o encarceramento de mulheres.

A pesquisa

O estudo realizado pelo ITTC ressalta que as políticas de drogas estabelecidas nos diversos países separam condutas. Normalmente, essa separação é entre o uso, a produção, a distribuição e o comércio.

A partir dos dados sistematizados nessa pesquisa, o instituto verificou que a adoção de uma política de drogas tolerante somente com parte dessas condutas não necessariamente tem efeitos de desencarceramento. As 36 legislações estudadas adotam uma postura de tolerância em relação ao uso de substâncias, porém, existe pouca ou nenhuma regulamentação sobre sua produção, distribuição e comércio, havendo apenas exceções pontuais como a Holanda, o Uruguai e o Colorado, nos EUA.

Para os pesquisadores, o resultado disso é a criminalização de grupos economicamente mais vulneráveis e que historicamente se ocupam de atividades do mercado informal, como o varejo de drogas. A criminalização do comércio de drogas é uma escolha política de criminalização do trabalho de uma parte da população. Nesse mercado lucrativo para poucos, milhares de pessoas pobres, jovens, mulheres e negras – a parcela mais frágil dessas relações – pagam com a vida e com a liberdade por trabalharem no varejo de substâncias consideradas ilícitas.

Américas - Dos 15 países que flexibilizaram suas políticas de drogas, 13 apresentaram aumento em sua população carcerária até o último ano computado.

O continente americano possui algumas particularidades. De maneira geral, as políticas de flexibilização são mais recentes que as europeias. Além disso, o continente concentra a primeira e a quarta populações carcerárias do mundo: EUA e Brasil, respectivamente.

Vale ressaltar também que, na maioria dos países da América Latina, se nota aumento sistemático do encarceramento, principalmente após a mudança da legislação de drogas, com recorrência de superpopulação carcerária e elevado número de pessoas em prisão provisória. Esses dados demonstram uma grande fragilidade no direito básico de acesso à Justiça em quase todos os países estudados, o que pode ter relação direta com a idade das democracias latino-americanas, uma vez que em quase todos esses países ditaduras avançaram pela segunda metade do século XX.

Além disso, na grande maioria dos países, houve aumento do percentual de mulheres presas por delitos relacionados a drogas. Para analisar esse dado, é necessário levar em consideração o perfil da mulher em situação de cárcere, que, no caso da América Latina, é predominantemente de mães, provedoras do lar, rés primárias e processadas por crimes sem violência – um perfil que o ITTC identifica desde a sua primeira investigação no cárcere, em 1997. (Veja mais). 

Nota-se também, no geral, maior percentual de pessoas presas por pequeno comércio de substâncias ilícitas, o que só ressalta a insuficiência das políticas punitivas para desmontar grandes redes internacionais do tráfico de drogas, embora sejam eficazes para prender as pessoas que estão no elo mais frágil dessa cadeia de comércio.

Europa - Dos 21 países que flexibilizaram suas políticas de drogas, 10 apresentaram aumento da população carcerária geral desde a adoção da nova legislação até os anos 2010. Em alguns desses 10 países, houve diminuição do encarceramento após a flexibilização, mas se observou aumento expressivo do número de pessoas presas depois da crise econômica de 2008.

Esse é o caso de Portugal, em que o número de pessoas presas diminuiu após a mudança da legislação sobre drogas. Essa diminuição foi mantida por quase uma década: em 2000 eram 12.944 pessoas encarceradas e, em 2010, 11.613.

É relevante notar que, de forma geral, os países europeus flexibilizaram suas políticas entre as décadas de 1970 e 1990, antes, portanto, do continente americano. Por fim, outra particularidade da Europa é o número muito inferior de países com superpopulação carcerária, bem como de pessoas em prisão provisória, quando comparada com a América Latina.

Metodologia

A primeira etapa do estudo consistiu no levantamento e na sistematização dos países que apresentaram alguma flexibilização em suas políticas de drogas, ou seja, que demonstraram alguma tolerância com condutas relacionadas a drogas. Para tal, foi utilizado como base o Levantamento sobre legislação de drogas nas Américas e Europa e análise comparativa de prevalência de uso de drogas da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, de 2015, em que foram contabilizados 34 países.

Contudo, foi identificado que Ucrânia e EUA, apesar de apresentarem legislações tolerantes com o uso de drogas, não constavam desse levantamento. Acrescentando-se esses dois países, ficou estabelecido o total de 36 legislações que despenalizaram, descriminalizaram ou legalizaram o uso ou que legalizaram e/ou regulamentaram o cultivo, a produção e/ou o comércio de alguma substância psicoativa considerada ilícita (maconha, cocaína, lisérgicos etc.). (Para entender a diferenciação das políticas, ver o Glossário de Políticas de Drogas/ITTC).  

As informações encontradas sobre os continentes asiático e africano foram inconclusivas e, por isso, tais países foram desconsiderados no levantamento. Em pesquisa exploratória foram encontradas algumas fontes que afirmavam não haver políticas flexíveis nesses continentes. Porém, notícias midiáticas indicam que a prática não condiz necessariamente com a legislação.

Selecionados os 36 países que apresentaram flexibilização legal, foi realizado um segundo levantamento – agora sobre a evolução do encarceramento em cada um deles, a partir dos dados do World Prison Brief (WPB) do Institute for Criminal Policy Research. Daqueles 36 países que flexibilizaram algum aspecto de suas políticas de drogas, em 22 houve aumento da população prisional desde o ano de mudança da legislação (o ano final varia entre 2010 e 2015, dependendo do país). É necessário pontuar que se tomou como referência para ano de mudança da política a data de aprovação da lei e que, nos casos em que essa data é anterior ao primeiro dado sobre encarceramento disponível no WPB, foi adotado o primeiro dado do WPB.

Croácia, Jamaica, Uruguai e EUA não puderam ser analisados no que diz respeito ao encarceramento, pois suas alterações legais são muito recentes e não foram localizados, no WPB, dados sobre encarceramento posteriores a elas. No caso da Croácia, foi encontrado indício de despenalização do uso na lei Law on Combating Drugs Abuse, mas, como não foi possível acessar o documento legal, tomou-se 2013 como ano de alteração, pois ele corresponde à adoção da despenalização no Código Criminal.

No caso dos EUA, por se tratar de Estado federativo, as flexibilizações foram realizadas pelos estados e, por isso, o ano de adoção das novas políticas não é único, de modo que não é possível estabelecer uma data a partir da qual contabilizar as alterações na população carcerária nacional. Não foi possível aprofundar a análise dos dados sobre prisões por drogas porque, como dito, a flexibilização é recente e diferente para cada estado da federação e porque não foram encontradas fontes oficiais sobre prisões por drogas. Entretanto, algumas informações sobre o país foram inseridas nas considerações sobre o continente americano, por conta de sua importância político-econômica no mundo) e por abrigar a maior população carcerária da atualidade, além de ter sido o precursor da chamada “guerra às drogas” nos anos 1980.

A escolha dos recortes resultou em algumas dificuldades de análise, visto que as informações foram coletadas de fontes diversas e em formatos diferentes, não tendo sido possível encontrar exatamente os mesmos dados e indicadores para todos os países. É importante ressaltar que, apenas com as informações levantadas, não é possível relacionar diretamente o aumento da população carcerária e a mudança da política de drogas, inclusive porque, ainda que os números de encarceramento tenham, no geral, apresentado aumento, houve grandes variações ao longo dos anos, o que só se explicaria a partir de análises conjunturais mais complexas. Além disso, não foram obtidos dados suficientes para comparar as prisões motivadas por outros crimes, não se podendo afirmar que as prisões por drogas tenham sido as únicas responsáveis pelo aumento do encarceramento. Ainda assim, destaca-se que em todos os países analisados na América houve aumento do encarceramento na última década.

Infográfico: política de drogas e encarceramento

(Clique para acessar o mapa original, na página do ITTC)

Os países que flexibilizaram suas políticas de drogas estão coloridos de acordo com o tipo de fexibilização adotada e aqueles em que o encarceramento aumentou estão sinalizados com pontos vermelhos. Para estes, foram elaboradas fichas técnicas com dados nacionais. Veja mais: http://ittc.org.br/infografico/