São Paulo sedia 2ª edição de Seminário Internacional de Políticas de Drogas

Encontro reuniu gestores municipais e nomes de destaque em ações de redução de danos no Brasil e no mundo

Na última semana, dias 25 e 26/11, a cidade de São Paulo sediou a segunda edição do Seminário Internacional de Políticas de Drogas. Com o tema “Direitos Humanos e Saúde Pública”, o encontro reuniu especialistas, intelectuais, profissionais de saúde e de outras áreas no Anhembi.

O seminário é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para conhecer e debater experiências nacionais e internacionais em redução de danos e políticas de drogas pautadas no respeito aos direitos humanos. A organização do evento também contou com apoio da Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas (SMRIF).

Foto: Fabio Arantes/Secom

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, participou da mesa de abertura do evento, na quarta-feira (25), destacou as oportunidades criadas pelo programa De Braços Abertos (DBA) implementado pela atual gestão municipal na região da Luz conhecida como Cracolândia. “Quando cuidamos da vulnerabilidade extrema com sucesso, damos um testemunho para a sociedade que os problemas sociais têm solução”, disse o prefeito. Haddad apresentou as ações do programa ligadas à moradia, trabalho e cuidado com a saúde e afirmou: “Estamos demonstrando que existe outro caminho que não seja a pura violência para tratar a questão das drogas”.

Roberto Tykanori, coordenador da área de Saúde Mental do Ministério da Saúde, e o prefeito Fernando Haddad

O secretário municipal Eduardo Suplicy (Direitos Humanos e Cidadania) também participou da abertura e ressaltou a importância do seminário como “uma oportunidade de aprender mais com outras experiências desenvolvidas no Brasil e no mundo”.

"A grande inovação que o DBA apresentou foi a demonstração prática de uma política intersetorial [desenvolvida] a partir do princípio da garantia dos direitos humanos. E isso em um município do tamanho de São Paulo, com todas as complexidades", enfatizou o secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Luiz Guilherme de Paiva. "Esta experiência também nos inspirou a fazer uma série de acordos [do governo federal] com outros municípios do Brasil, com base no que nós estamos chamando de 'projetos de inserção', que são baseados em políticas de moradia e de trabalho que no fim das contas tem uma óbvia inspiração no De Braços Abertos", completou Paiva.

Representando o Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, coordenador da área de Saúde Mental, avaliou positivamente as políticas desenvolvidas no município. “A cidade [de São Paulo] trouxe mundialmente para o debate a expectativa de que possa haver alternativas à prisão, à violência e ao encarceramento [no tratamento ao usuário]”, avaliou Tykanori.

Para o secretário especial de Direitos Humanos Rogério Sotilli, (Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos) esta é a medida de sucesso do DBA. “Não precisamos prender, nem forçar internações, nem impor abstinência para dar dignidade ao usuário de drogas. Demonstramos que a questão das drogas não é questão de polícia. É questão de política social, de cidadania, de humanidade”.

Também participaram da abertura os secretários municipais Alexandre Padilha (Saúde), Vicente Trevas (Relações Internacionais e Federativas), Luciana Temer (Assistência e Desenvolvimento Social) e Benedito Mariano (Segurança Urbana).

“De Braços Abertos”: conquistas e desafios

Benedito Mariano, atual coordenador do De Braços Abertos, apresentou, na primeira mesa do encontro, dados sobre o programa que apontam para redução do “fluxo” – como é chamada a cena de uso de drogas – e também da criminalidade na região.

“A partir do DBA os índices de furto e roubo na região da Luz diminuíram de 32 a 62%, comparando com os índices de 2013. Furto de veículo diminuiu 50%, furto de pessoas diminuiu 59%, roubo de veículo diminuiu 62%, roubo de pessoas houve diminuição de 32%”, apontou Mariano. Os dados são do sistema de informação criminal da Secretaria de Segurança Pública.

Benedito Mariano, coordenador de De Braços Abertos e secretário municipal de Segurança Urbana

Segundo o coordenador do DBA, qualificar as hospedagens dos beneficiários e criar novas alternativas de trabalho e aprimorar a produção de indicadores são os principais desafios do programa em 2016.

Para criar novas oportunidades será fortalecido o programa Emprego Apoiado e já estão sendo estudadas parcerias com a pasta de Habitação para cadastrar os beneficiários do programa em projetos para garantir moradia permanente. “Incluir definitivamente a Guarda Civil Metropolitana (GCM) no DBA, com uma inspetoria especial de redução de danos para atuar com os usuários de crack” é mais um dos desafios do De Braços Abertos, afirmou Mariano.


Proibicionismo
As políticas de drogas centradas na repressão e proibição do consumo foram pauta de diversos debates, durante o encontro. “É preciso desmistificar o argumento da saúde para justificar ações punitivas e repressoras”, enfatizou Andrea Gallassi, professora da UnB, na mesa Atenção ao Uso Problemático de Drogas na Rede de Atenção à Saúde.

“Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 80% das pessoas que usam drogas não têm problemas relacionados ao consumo” afirmou Marcela Tovas, assessora distrital de Integração Social em Bogotá. “Mas todas as políticas são voltadas para proibir e impedir o uso”, completou Tovas.

Marcela Tovas, assessora distrital de Integração Social em Bogotá

Para o professor da Unicamp Luís Fernando Toffoli este “ambiente proibicionista” está a serviço do “controle social”. Toffoli, que é a favor da descriminalização de todas as drogas, acredita que quem mais sofre com a política de guerra às drogas são as pessoas socialmente mais vulneráveis. Para ele, até que a descriminalização seja possível, é preciso criar outras opções.

“Em situações tão graves de vulnerabilidade, nós precisamos criar espaços de consumo de drogas ilícitas, salas de uso seguras”, defendeu. A prática já acontece em países pioneiros em políticas de redução de danos como o Canadá.


Criminalização da pobreza
O movimento Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD) também marcou presença no evento, representado pelo articulador Eduardo Ribeiro. Para ele o combate às drogas no Brasil é perigoso, pois reforça o recorte de jovens, pobres e negros como público privilegiado para o exercício da violência do Estado.

Eduardo Ribeiro, do movimento Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas 

“Precisamos de uma polícia que não trabalhe com a lógica da guerra, mas sim que enfrente o problema que é bem mais complexo”, afirmou Ribeiro, ao defender a mudança no modelo de segurança pública por meio da desmilitarização policial e o fim da incriminação do negro portador de pequeno porte de drogas como traficante.

João Goulão, diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD de Lisboa também participou do seminário e defendeu que questões criminais não devem determinar a luta do combate às drogas. “Em Portugal, contrariamente a modelos de outros países em que foram criados tribunais de droga com procedimentos conservadores, fazemos hoje uma série de trabalhos para que as comissões possam dissuadir a toxicodependência como um problema de saúde”.

Há mais de 30 anos como uma das principais responsáveis pela implementação de políticas de redução de danos na Europa, a psicóloga brasileira Lia Cavalcanti compartilhou as experiências desenvolvidas nas periferias de Paris, pela associação francesa Espoir Goutte d’Or (EGO).

“Sempre sonhei com modelos que auxiliassem os dependentes de maneira que não fosse por meio da repressão e violência”, afirmou Cavalcanti ao comparar as diretrizes do EGO ao programa De Braços Abertos.

“Na França, elaboramos planos de recuperação baseados na inclusão social e desenvolvemos uma revista mensal para que possamos informar a população sobre o que está acontecendo, pois isso é uma necessária pedagogia de adesão ao projeto”, concluiu.