“Ruas de Memória” fará consulta em rua que homenageia ex-delegado do DOPS

Ação debate alteração de logradouro com nome de Alcides Cintra Bueno Filho, responsável por ocultação de cadáveres e fraudes em laudos do IML, durante a ditadura civil-militar

Com o objetivo de alterar nomes de espaços públicos da cidade de São Paulo que homenageiam torturadores e violadores dos direitos humanos da ditadura civil-militar, a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), fará uma mobilização no próximo sábado, dia 7, às 15h, na rua Dr. Alcides Cintra Bueno Filho, na Vila Amália, zona norte de São Paulo.

Alcides Cintra Bueno Filho foi delegado de polícia e serviu, ao lado de Sérgio Fleury, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), um dos principais órgãos de repressão da ditadura militar. Junto com o Instituto Médico Legal (IML), emitiu laudos necroscópicos falsos, alegando "morte natural" ou "suicídio" para encobrir casos de mortes sob tortura. Foi também responsável por ocultar corpos de militantes assassinados nos aparelhos de repressão, escondendo suas identidades verdadeiras e fazendo com que fossem enterrados como indigentes. Tal prática lhe rendeu o apelido de “O Coveiro”.

O Programa “Ruas de Memória” foi lançado no dia 13 de agosto, com o objetivo de promover a alteração dos nomes de ruas, pontes, viadutos, praças e demais logradouros públicos que homenageiam pessoas, fatos ou datas vinculadas à repressão do regime militar. Segundo levantamento realizado pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade, há na cidade pelo menos 38 logradouros associados à ditadura, sendo que, destes, 22 fazem referência a personalidades com envolvimento mais direto nas violações de direitos humanos praticadas durante o período: nomes de ditadores, torturadores, chefes dos serviços de segurança, entre outros.

“Esse é um projeto de grande relevância. Pessoas que comandaram a repressão, que causaram mortes e torturas, não merecem homenagens. É preciso modificar o nome das ruas para nomes que façam sentido aos moradores”, argumenta Eduardo Suplicy, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

Para as ruas que possuem moradores (com CEP), o Programa contempla processos participativos de mobilização e consulta, nos quais os novos nomes surgirão por meio de sugestões dos membros da comunidade local. Além disso, estes encontros possibilitarão levar o debate sobre a violência de Estado e os impactos do legado autoritário nos dias atuais para os diferentes territórios da cidade.

A primeira mobilização ocorreu em maio deste ano, na rua Golbery do Couto e Silva, no Grajaú, com intervenções artísticas de coletivos e saraus da zona sul. A ação resultou em um projeto de lei participativo, atualmente em tramitação na Câmara, que propõe a substituição do nome do general que foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) durante a ditadura, pelo do padre Giuseppe Pegoraro, sugestão acolhida pelos moradores em reconhecimento às contribuições prestadas pelo religioso ao bairro.

Para Clara Castellano, coordenadora do programa, “retirar este tipo de homenagem de nossos espaços públicos é, em primeiro lugar, uma forma de reparação simbólica importantíssima para as vítimas diretas desses crimes que até hoje não viram seus algozes sendo julgados e punidos”. A mudança também busca trazer à tona, para toda sociedade, a verdade histórica sobre fatos e personalidades daquele período e reconstruir a memória histórica da cidade a partir da valorização da cultura democrática e de promoção dos direitos humanos.

 

Ruas de Memória

O programa “Ruas de Memória” segue a linha de diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e também da recomendação 29 do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014.

O “Ruas de Memória” parte da compreensão de que, além das graves violações a direitos individuais e coletivos, a ditadura militar também interferiu opressivamente no espaço público, a fim de conter possíveis focos de resistência, proibindo reuniões e manifestações políticas, levando a seu esvaziamento enquanto local de convívio e exercício da cidadania.

Na mesma linha, logradouros e equipamentos públicos foram nomeados em homenagem a agentes oficiais e civis que apoiaram a política autoritária e que cometeram crimes de lesa-humanidade, enaltecendo símbolos da repressão e fomentando valores antidemocráticos como referências às novas gerações que circulam diariamente na cidade.

A mudança de logradouros depende de Projetos de Lei que precisam ser aprovados pela Câmara de Vereadores do município.