Transcidadania consolida travestis e transexuais como sujeitos de direitos

Com transferência de renda, estudo e qualificação profissional, programa visa resgatar dignidade e dar autonomia às participantes

Com o auditório da Biblioteca Mário de Andrade lotado de travestis, transexuais e militantes do movimento LGBT, a Prefeitura de São Paulo lançou hoje (29) o Programa Transcidadania, com o objetivo de oferecer condições de recuperação e oportunidades de vida para travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social.

“É muito difícil alguém concluir o ensino médio nas condições de violência e discriminação que vocês enfrentam. A educação e o trabalho para vocês foi sonegada e nós vamos restituir esse direito. Isso aqui hoje é uma política de reparação. Precisamos fazer dar certo”, afirmou o Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Em sua fala, o chefe do executivo municipal refletiu sobre as políticas públicas que precisam ser feitas e que ninguém tem coragem de fazer. “Se tem uma cidade que não vai se intimidar, esta cidade é São Paulo. Temos que dar o exemplo. Estamos fazendo uma parceria com vocês para provar para os preconceituosos que este programa tem tudo para dar certo. E vai dar certo”.

Para Rogério Sottili, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o objetivo central do programa é “dar dignidade a uma população historicamente marginalizada, exposta a riscos, abusos e violações”. Sottili ponderou que a trajetória de intolerância e violência, que marca a vida das travestis e transexuais, é resultado do preconceito da sociedade em não aceitar que há pessoas cuja identidade de gênero não está diretamente identificada com o gênero de nascimento. “Este histórico de vida deixou marcas. Sempre disseram às travestis e transexuais que elas e eles não poderiam ser quem são, não poderiam se vestir como se sentiam melhor ou que não poderiam se expressar do jeito que quisessem”.

O secretário de Direitos Humanos e Cidadania lembrou que, segundo a organização européia Transgender, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, quatro vezes mais do que o México, que ocupa a segunda posição. “Precisamos garantir que estas pessoas possam reconstruir suas vidas com dignidade, respeito e principalmente autonomia, afirmando e consolidando que travestis e transexuais são sujeitos plenos de direitos”, afirmou.

Durante a apresentação do Transcidadania, o coordenador de políticas para LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), Alessandro Melchior, afirmou o ineditismo da ação no Brasil e na América do Sul. “É um programa arrojado, pensado para dois anos”, disse. Melchior destacou que nas duas escolas onde as travestis e transexuais estudarão haverá uma equipe de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais para intermediar a chegada das participantes nessa nova realidade. “A Prefeitura de São Paulo não tem vergonha, não tem medo e tem muita coragem de fazer o que precisa ser feito”, concluiu.

O fim de um estigma

Com 100 vagas iniciais, as beneficiárias receberão uma bolsa mensal de R$ 820,40, completarão o ensino fundamental e médio em 30 horas semanais de aulas, farão cursos técnicos e estágio. O programa tem dois anos de duração, dividido em quatro módulos semestrais.

Representando as participantes do programa no ato de lançamento do Transcidadania, a travesti Aline Marques deu um depoimento emocionado. “A escola me foi tirada na infância. Eu não sabia se prestava atenção no professor ou na agressão que iria sofrer na saída da aula”, lembrou. “Queremos estudar. Queremos trabalhar. Queremos acabar com esse estigma de que o lugar das travestis é na esquina. Não é. Nosso lugar é na escola e nas empresas”, disse ela, sem conter as lágrimas.

Se dirigindo diretamente às transexuais e travestis presentes na cerimônia e que participarão do programa, Aline fez um apelo: “Temos que fazer nossa parte também. Dar respeito para receber respeito. Estar próximo de uma travesti ou trans não é doença alguma. É alegria”.