Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo começa a atuar

Os cinco membros que conduzirão os trabalhos da Comissão realizam nesta sexta-feira a primeira reunião de trabalho

Foto: Heloisa Ballarini / SECOM

O prefeito Fernando Haddad instalou oficialmente e deu posse aos cinco membros que conduzirão os trabalhos da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo. A cerimônia ocorreu ontem à noite (25), no Edifício Ramos de Azevedo, que abriga o Arquivo Histórico de São Paulo, e que será a sede da Comissão. 

“Temos que passar essa história a limpo para libertar a Cidade. Temos que perseguir a verdade a todo custo. A cidade de São Paulo tem muitos fantasmas. Desde a redemocratização, se faz esse esforço de 'naturalizar', de dizer que eram dois lados, que era uma guerra. A instalação da Comissão da Verdade hoje é um repúdio da autoridade municipal a esse tipo de pensamento. Nós não aceitamos”, afirmou Haddad. O prefeito declarou que todas as condições materiais e políticas serão colocadas à disposição dos membros da Comissão.

Para o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, a criação da Comissão é um passo histórico. “A gestão municipal se prepara para enfrentar os mistérios guardados nos arquivos da prefeitura.” Sottili reconheceu que o momento da instalação da Comissão é também de muita responsabilidade e que caberá aos membros estabelecer as metas e estratégias de trabalho. “Escolhemos personalidades com reconhecida competência e que há muito tempo fazem do direito à memória e à verdade sua bandeira.”

Os jornalistas Audálio Dantas e Fernando Morais, os advogados César Cordaro e Ferminio Fecchio, e a professora Tereza Lajolo são os cinco membros escolhidos para desenvolver os trabalhos da Comissão.

Presente ao ato, o deputado estadual Adriano Diogo (PT) destacou que as estruturas da ditadura continuam presentes ainda hoje, como é o caso das polícias militares e da ROTA. “Nunca é tarde para se contar a verdade”, disse ele. O ex-preso político Ivan Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), lembrou do período em que esteve preso e do desejo por justiça. “Olhávamos para quem nos torturava e pensávamos: ‘Um dia a gente acerta a conta.’ Nunca quisemos vingança. Queríamos justiça. A gente esperava alguma coisa que pudesse fazer justiça e chegamos hoje numa situação muito peculiar.”

Para os membros da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, a sensação é um misto de honra por participar do processo e a certeza de haver muito trabalho pela frente. “Espero que a gente chegue à verdade e revele a participação do poder público neste terrorismo de Estado implantado pelo golpe de 64”, disse Ferminio Fecchio. “A possibilidade de desvendarmos estes fatos é de fundamental importância, não só histórica, mas também para não permitir que esses fatos horrendos se repitam”, completou o ex-ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, condecorado em 2003 pelo Prêmio de Direitos Humanos Franz de Castro Holzwarth, concedido pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.

“A participação de uma comissão dessa natureza tem um sentido importante na medida em que, de uma maneira efetiva, podemos contribuir para que os fatos do município durante o período da ditadura sejam finalmente levantados e registrados para o conhecimento da cidadania”, ponderou Audálio Dantas. Para ele, a comissão, de acordo com a lei que a institui, tem condições de realizar um trabalho efetivo e que estava faltando na prefeitura de São Paulo. Na mesma linha de pensamento, Tereza Lajolo disse esperar que a Comissão consiga descobrir como ocorreu a colaboração da administração com a ditadura civil-militar.

O jornalista e escritor Fernando Morais acredita que a comissão pode adquirir uma importância grande, considerando que a cidade de São Paulo concentra cerca 20% dos mortos e desaparecidos políticos registrados no Brasil. “Há 30 anos, como deputado, pude dar uma modestíssima contribuição quando fui procurado por familiares e descobrimos dois desaparecidos enterrados clandestinamente em São Paulo, que eram o Luis Eurico Ferreira Lisboa e a Sônia Maria de Moraes Angel. Naquela época não avançamos mais porque quando a prefeitura descobriu que tinha gente interessada e colocando como suspeitos os sepultamentos, ela começou a fechar as portas. Estas portas podem agora ser reabertas, com o interesse que o prefeito e o secretário Sottili manifestaram. Vamos ter condições de dar uma contribuição efetiva. Não é vingança nenhuma. É restaurar a verdade. Você não reconstrói um país enquanto houver crimes como estes encobertos pelas instituições. Tenho certeza de que há muita coisa pra ser apurada. Vamos ter um manancial muito grande para ser investigado.”

A cidade de São Paulo foi palco de graves violações aos direitos humanos durante a ditadura civil-militar. A Comissão buscará esclarecer o papel desempenhado pela Prefeitura e agentes públicos municipais, no período de 1964 a 1988, e garantir o direito do cidadão à memória e à verdade. As investigações deverão apurar indícios de perseguição e demissão de funcionários por motivação política, a ocultação de pessoas em cemitérios públicos municipais e a censura e repressão a educadores da rede pública municipal, entre outras frentes.

O novo órgão é vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e trabalhará em diálogo estreito com a Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da SMDHC e em colaboração com as demais comissões da verdade estabelecidas no Município, além da Comissão Nacional da Verdade.

Veja as imagens do evento a seguir:

 Fotos: Heloisa Ballarini / SECOM