Pesquisa apresentada pela Prefeitura de São Paulo avalia impactos da violência policial sobre a mortalidade juvenil

Estudo realizado a partir de dados municipais revela que jovens são 85% das vítimas mortas pela polícia

Na última sexta-feira, 11/12, a Prefeitura de São Paulo, por meio das Coordenações de Juventude e de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, apresentou um estudo sistematizado do impacto da violência policial sobre a mortalidade juvenil na cidade. A pesquisa “Juventude e Violência no Município de São Paulo”, revela, entre outros números, que, em 2014, em cada quatro pessoas mortas pela polícia, uma era adolescente (13 a 17 anos). O homicídio de jovens (15 a 29 anos) representa 85% do total de homicídios cometidos pela corporação, no mesmo ano. O estudo foi realizado pela pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Giane Silvestre, com dados municipais das secretarias de Saúde, Serviços e Assistência e Desenvolvimento Social.

 

 

A apresentação da pesquisa abriu o Seminário Segurança Pública e Direitos Humanos, realizado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, como parte da programação do 3º Festival de Direitos Humanos – Cidadania nas Ruas. Embora as bases que sustentam o estudo existam há algum tempo, até hoje não haviam sido investigadas e sistematizadas.

 

 

De acordo com o estudo, 64% dos mortos pela polícia em São Paulo são negros e metade desses mortos se concentra em 14 distritos pobres da cidade. “Estou muito emocionado porque, pela primeira vez na história, a Prefeitura de São Paulo resolve abrir os dados, que ela consolida há pelo menos 25 anos. Estou emocionado por saber que meu bairro está no topo da lista de mortalidade dos jovens”, disse Claudinho da Silva, coordenador de Políticas para Juventude da SMDHC e morador da favela Monte Azul, no Jardim São Luís. “O resultado da pesquisa só não é mais alarmante por conta do trabalho desenvolvido pelos articuladores nos territórios”, completou, destacando o papel dos jovens articuladores do Plano Juventude Viva, que atuam nos territórios mais vulneráveis da cidade.

 

 

"Precisamos dialogar com os órgãos de segurança pública, tanto na esfera municipal, como na estadual, para sabermos qual decisão tomar para alterar esse preocupante quadro de violência contra a juventude negra", disse Eduardo Suplicy, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, na abertura do seminário.

Para Eduardo Valério, promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Políticas Públicas da Promotoria de Direitos Humanos, não existem soluções paliativas para este quadro. “É preciso buscar soluções estruturais. Não há solução que não passe por consistentes políticas públicas ligadas à educação, saúde, assistência social, inclusão e igualdade”, afirmou.

Também participaram da abertura, o secretário Simão Pedro (Serviços), as secretárias-adjuntas Cecília Cristina Bortoletto (Saúde) e Cristina Cordeiro (Assistência e Desenvolvimento Social), os secretários-adjuntos Elizeu Soares Lopes (Igualdade Racial) e Guilherme Assis de Almeida (Direitos Humanos e Cidadania), e Jorge Eduardo Júlio, do Serviço Funerário Municipal.

 

 

A pesquisadora Giane Silvestre realizou a primeira apresentação pública da pesquisa [leia aqui]. Segundo Silvestre, os estudos apontam para o uso abusivo da força letal por parte da polícia. Os resultados mostram que, embora o número total de homicídios no município tenha caído de 5.979 em 2000, para 1.661 em 2014, as mortes causadas pela ação policial subiram de 327 para 353, no mesmo período. Os dados mostram também que o número de mortos superou em muito o número de feridos pela polícia (são 528 mortos para 390 feridos, nos anos de 2013 e 2014), o que é inteiramente desproporcional. De acordo com referências internacionais o número de feridos não deveria superar o de mortos.

O encontro reuniu gestores públicos, organizações, movimentos sociais, jovens e especialistas para debater políticas públicas de segurança alternativas, que enfrentem a violência contra a juventude, sobretudo negra e periférica.

Quem são os assassinos dos nossos filhos?
A frase de Débora Maria da Silva materializa os números. Ela é mãe de Edson Rogério da Silva, que trabalhava como gari da Prefeitura de Santos, em 2006, quando foi assassinado em uma ação da polícia até hoje não esclarecida. Débora fundou, então, o movimento Mães de Maio, uma rede autônoma de mães, familiares e amigos de vítimas diretas da violência estatal, formada a partir dos episódios conhecidos como “Crimes de Maio”.

Naquele ano, em apenas uma semana (entre os dias 12 e 20 de maio) cerca de 500 pessoas morreram no Estado de São Paulo, vitimadas pelos conflitos iniciados entre os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) e a retaliação da Segurança Pública de São Paulo.

“O estado de São Paulo é uma fantástica fábrica de cadáveres. Pagamos por uma guerra que não era nossa. E não adianta fazer discurso de faz de conta que a marcha fúnebre prossegue”, disse Débora da Silva. “Queremos que o governo do estado venha a público pedir desculpas pelo maior massacre do período contemporâneo”, exigiu.

Para Jacqueline Sinhoretto, professora da UFSCar e coordenadora da pesquisa, estamos diante de um sistema que defende o patrimônio e despreza a vida. “Os delitos contra a vida não tem a mesma importância para o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia”, avaliou ao comparar todo o esforço e recurso financeiro usado para combater o crime contra o patrimônio, ao descaso nas investigações em crimes contra a vida.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o movimento #15contra16 também foram representados na mesa “Juventude e Violência na Cidade de São Paulo”, por Olaya Hanashiro e Renata Prado, respectivamente.

Desmilitarização da polícia
A desmilitarização da polícia foi um dos temas amplamente debatidos no encontro. Segundo dados da pesquisa, a Polícia Militar foi responsável por mais de 95% das mortes cometidas por forças policiais na cidade, em 2014.

Durante a mesa “Reformas e Proposições – por uma nova política de segurança pública”, a pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jaqueline Muniz lembrou que, ao contrário do que se tornou, a polícia foi inventada como uma solução democrática. “Houve consentimento da comunidade policiada para que ela exercesse a sua função”. Segundo Muniz, quando há sujeição dos cidadãos perante a polícia, significa que esta perdeu sua legitimidade. “A polícia não pode definir ela mesma a política de segurança pública”, afirmou.

A mesa que encerrou o seminário contou também com a presença de Luis Flávio Sapori (PUC- MG), Eliana Vendramini (Ministério Público de São Paulo), Maria Pia dos Santos Guerra (PNUD) e Silvio Luis de Almeida (Mackenzie). Há consenso entre eles sobre a necessidade de uma reorganização estrutural da Política de Segurança Pública do Estado.

“Precisamos de uma reforma constitucional para criar, no Brasil, uma polícia de ciclo completo, isto é, uma única polícia com um departamento ostensivo e um departamento investigativo. Duas tarefas juntas sob a mesma chefia”, propôs Sapori.

A promotora Eliana Vendramini, que representou o Ministério Público (MP), disse que uma parte do MP está mobilizada para que a situação mude. Ela destacou programas como o PLID – Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos – que garantiu a investigação nos casos em que há indício de crime e que antes simplesmente não eram investigados porque eram “casos de desaparecimento”.

“Será que uma sociedade que fica discutindo modelos ideais de punição é uma sociedade viável?”, questionou o professor Silvio Luis de Almeida, do Mackenzie. “A militarização é o sintoma de uma sociedade doente. Por isso, precisamos começar a discutir que tipo de sociedade queremos construir”, concluiu.

 

Confira nos links a seguir os vídeos do Seminário, na íntegra:

Seminário Segurança Pública e Direitos Humanos – mesa de abertura

Seminário Segurança Pública e Direitos Humanos – apresentaçao de dados

Seminário Segurança Pública e Direitos Humanos – mesa 1

Seminário Segurança Pública e Direitos Humanos – mesa 2

 

Acesse a pesquisa aqui