Com debate e salas lotadas, Cine Direitos Humanos completou dois anos de projeção gratuita

Sessões ocuparam três salas de projeção no Espaço Itaú de Cinema, com os filmes ‘Que horas ela volta?’ e ‘Cassandra Rios: a Safo de Perdizes’

A sessão do último sábado (29/8) comemorou dois anos de projeção do Cine Direitos Humanos. No Espaço Itaú de Cinema do Shopping Frei Caneca, duas salas ficaram lotadas com o público que queria assistir ‘Que horas ela volta?’,da cineasta Anna Muylaert, enquanto numa terceira sala passava o documentário ‘Cassandra Rios: a Safo de Perdizes’, da diretora Hanna Korich, em homenagem ao Dia Nacional da Visibilidade Lésbica.

Ambas as sessões foram seguidas de debate com as diretoras e, uma delas, com o secretário-adjunto de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili.

‘Que horas ela volta?’ ressalta transformações sociais dos últimos anos

Além da diretora Anna Muylaert, a atriz Camila Márdila, que interpreta Jéssica, também participou do debate que contou ainda com o secretário-adjunto da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, e do curador do Cine Direitos Humanos, Francisco César Filho.

Sottili iniciou o debate comentando como o longa ‘Que horas ela volta?’ reflete as transformações positivas que ocorreram no Brasil nos últimos anos, principalmente na personagem Jéssica, a filha da babá Val que chega do nordeste para prestar vestibular em São Paulo. “Ela não entendia o porquê daquela subordinação, o porquê daquela submissão, porque ela já era fruto das novas conquistas de direitos, das novas conquistas sociais dos últimos anos”, disse o secretário.

A sessão de "Que horas ela volta?" lotou duas salas no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca

A diretora Anna Muylaert, por sua vez, destacou que começou a pensar no filme quando foi mãe, em 1995, e pediu demissão da TV Cultura para se dedicar à criação do filho. Logo depois, veio a Lei do Audiovisual e ela começou a trabalhar de casa. Começaram, então, as pressões para que tivesse uma babá. A cineasta conta que cuidar do filho lhe proporcionava muito crescimento, mas percebeu que esta tarefa era pouco valorizada socialmente. “Comecei a ver como a nossa sociedade foi criada pelos olhos dos homens, com uma visão machista”, disse Muylaert.

A figura da babá levanta questões importantes que a diretora retrata no filme, como o abismo social existente entre patroa e empregada e também a responsabilidade sobre a educação afetiva da criança. ‘Que horas ela volta?’, por exemplo, é a pergunta de uma criança que não está com a mãe, mas pode estar com a avó, com a babá ou outra pessoa.

Anna Muylaert, diretora do longa, e Camila Márdila, atriz que interpreta Jéssica

Já a personagem Jéssica surgiu depois de pesquisas e intensa reflexão. O filme ‘O Som ao Redor’, de Kleber Mendonça, foi um importante inspirador por dar “visibilidade a criaturas invisíveis”, disse Muylaert. A diretora percebeu que queria uma personagem consciente de seu lugar no mundo. “A Jéssica viria como cidadã. Ela não teria esses códigos separatistas da casa”, completou a diretora.

Camila Márdila, atriz que interpreta Jéssica, disse que a personagem, mesmo não entendendo esses códigos da casa, percebe que incomoda. “A presença dela gera um processo de conscientização. A maneira como as personagens e o roteiro foi construído não mostra a classe média como vilã, mas como um resultado do que somos culturalmente. E Jéssica começa a desconstruir isso, principalmente através da sua segurança, da sua auto-estima”, comentou Márdila.

Intervenções do público enriqueceram o debate; perguntas abordaram desde questões técnicas até temas sociais

A sessão foi conjunta com o Clube dos Professores, e Márdila e Muylaert ressaltaram que a importância desses profissionais é retratada no filme. Em ‘Que horas ela volta?’, Jéssica comenta que foi um professor com olhar crítico quem “abriu a cabeça dela” e fez com que ela tivesse vontade de prestar vestibular e ter um futuro diferente.

Cassandra, a autora que a censura não esqueceu

“Quando vi que o documentário estava no catálogo (do Cine Direitos Humanos), preciso dizer que fiquei emocionada e chorei. É um trabalho muito importante para mim, pois a figura da Cassandra não pode ser esquecida dentro dos movimentos LGBT do país”, disse a diretora Hanna Korich, durante conversa com o público após a exibição do filme ‘Cassandra Rios: a Safo de Perdizes’.

Cassandra Rios foi uma importante escritora brasileira e contribuiu para o avanço da militância LGBT no Brasil. Publicou seu primeiro livro aos 16 anos de idade e, desde então, foi a escritora que mais vendeu entre as décadas de 1960 e 1970, ultrapassando inclusive autores consagrados, como Jorge Amado. Apesar do sucesso de público, Cassandra tem em sua biografia o reconhecimento de ser a autora mais censurada do Brasil.

O documentário mostra que, na época, estar ao lado de Cassandra significava estar ao lado de uma subversiva marginal. Sua índole era questionada não só pelo Estado opressor mas também por determinadas rodas sociais que não enxergavam sua obra como uma produção erudita.

Expansão para a periferia

Ao completar dois anos, o Cine Direitos Humanos terá também projeções toda quarta-feira, a partir do dia 9 de setembro, no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes. Chegar à periferia da cidade de São Paulo sempre foi um objetivo do projeto, agora efetivado. Na primeira sessão, haverá a exibição do filme “Esse amor que nos consome”, de Allan Ribeiro.