Debate entre público e diretor marca exibição inédita do filme Revolução Sexual em Cuba

Documentário do americano Jon Alpert atraiu um grande público para a sessão do Cine Direitos Humanos

 A exibição inédita do documentário Revolução Sexual em Cuba, de Jon Alpert, (47 minutos), estava marcada para 11 horas da manhã de um sábado de sol, em São Paulo. O público compareceu em peso e chegou com antecedência para lotar a sala 3 do Espaço Itaú de Cinema, no Shopping Frei Caneca, reservada todos os sábados para as exibições do Cine Direitos Humanos, projeto promovido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

A oportunidade rara de refletir e debater a questão LGBT com um documentarista nomeado duas vezes ao Oscar atraiu um público diverso: estudantes, cineastas, jornalistas, sociólogos, entre muitos outros. Rogério Sottili, secretário-adjunto de Direitos Humanos e Cidadania, também marcou presença.

Antes de iniciar a sessão, Alpert surpreendeu com uma convocação: "Ninguém viu este filme ainda. Não está pronto, não terminei de editar, então conto com a sugestão de vocês mais tarde". Os espectadores seriam também críticos e colaboradores.

Com uma câmera na mão e muita sensibilidade, o diretor viaja por Cuba para conhecer de perto a realidade da população LGBT no país. Acompanha e capta um pouco da vida de pessoas cujas histórias revelam um país ainda cheio de preconceitos.

Seja para os apoiadores ou para os críticos, a Revolução Cubana influenciou muitas pessoas na ilha e ao redor do mundo. Contudo, a população LGBT permaneceu submetida aos comandantes de uma revolução transformadora, mas extremamente homofóbica. As entrevistas filmadas com a população deixam claro que esta ainda é uma questão mal resolvida. “Eles não têm culpa disso. É uma doença, mas sei que eles não têm culpa de terem nascido assim”, relata um homem de meia idade entrevistado no filme, expondo sua opinião sobre a homossexualidade. Alpert, que caminhava pela sala observando as reações da plateia, talvez tenha percebido em suas expressões que discursos como o do rapaz do filme são comuns no Brasil também.

Outra personagem do documentário é Mariela Castro, filha do presidente Raúl e símbolo da luta por direitos humanos em Cuba. Alpert acompanhou a ativista em sua jornada política e cultural de reivindicações a favor do direito à diversidade sexual. Ao final da exibição, é a figura de Mariela a primeira a ser debatida.

“O filme mostra muito bem o giro que ela faz pelo país, mas eu senti falta das ações da sociedade civil. Parece que tudo é organizado por iniciativa do Estado ou pela própria Mariela”, criticou o sociólogo Renan Quinalha. A resposta veio de Maria, antropóloga cubana, há um ano no Brasil e com um português cheio de sotaque: “Há uma diversidade muito grande dentro do movimento, que não é homogêneo. E as questões de diversidade sexual não estão todas em torno da Mariela. Muito antes tinha pessoas se organizando e, é claro, sendo reprimidas”, revelou.

Na visão do diretor “uma das razões do sucesso do movimento LGBT em Cuba é que ele é liderado pela sobrinha de Fidel. E um dos pontos negativos é também este: ele é liderado pela sobrinha de Fidel”. Alpert conta que esse movimento se desenvolve muito “de cima para baixo”, assim como outras mudanças que ocorrem na ilha.

“Há também uma questão etnorracial, a questão da violência policial... E as pessoas que se suicidaram? E as pessoas que foram expulsas das faculdades, e as pessoas que migraram?”, complementa a antropóloga cubana.

A participação do público no debate é intensa. Alguns elogiam o formato, outros a importância histórica de fazer relatos de um país que ainda é pouco conhecido para a maioria. Quinalha ressalta que o filme contribui para fazer uma autocrítica da esquerda latino-americana “que foi influenciada não só pelos pontos positivos da revolução, como também por esse ethos de masculinidade revolucionária que o personagem Luiz Peres, entrevistado no filme, relata muito bem.”

São diversos os pontos em comum com a realidade da população LGBT no Brasil, cujas dificuldades se assemelham com as expostas no filme e ali discutidas. “Isso acontece em Cuba, acontece no Brasil, na Nicarágua, na França,” disse Sottili. E sintetizou: “Quando se discute enfrentamento às desigualdades sociais, não podemos deixar no segundo plano os grandes valores da sociedade, que são as liberdades de expressão, de organização, orientação sexual, e assim por diante. O filme nos convida a fazer uma reflexão de que a grande revolução é a revolução dos direitos humanos. É a defesa dos valores de liberdade”.