SMDHC e Clínicas do Testemunho promovem a 3ª Conversa Clínica Pública para tratar os traumas da ditadura

Encontro teve como objetivo romper o silêncio e trabalhar a fala como instrumento de reparação

O Centro Cultural São Paulo (CCSP) recebeu na noite de quinta-feira, dia 3, a terceira edição do encontro 'Conversa Clínica Pública: a fala como possibilidade de trabalhar os traumas da ditadura'. Promovido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) em parceria com as Clínicas do Testemunho dos Projetos Terapêuticos-SP, o evento integra as atividades do marco dos 50 anos do golpe de 1964.

A Conversa Clínica Pública é um espaço criado para que as pessoas possam compartilhar histórias, medos e angústias resultantes das violações sofridas durante os anos de repressão. Durante as conversas, também aqueles que não viveram a brutalidade deste período têm a oportunidade de refletir como o imaginário e o legado autoritário da época se refletem nos dias atuais.

Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da SMDHC, apresentou o encontro como “um momento de escuta, de troca, para trazermos as nossas histórias e nos reconhecermos nas histórias dos outros". "É um momento muito importante, pois permite que a gente perceba como mesmo quem não viveu os fatos da ditadura ainda sofre os impactos desse capítulo mal esclarecido da nossa história", completou. Para Carla, as violações não foram casos isolados. "Foram violações de direitos humanos perpetuadas pelo Estado contra a sociedade. Então, nada mais importante do que um espaço público para trabalhar esses traumas, essas marcas que foram deixadas."

A programação seguiu com a exibição de 'Verdade 12.528' (2013), de Paula Sacchetta e Peu Robles. O documentário aprofunda o trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade e traz inúmeros relatos de militantes que resistiram à repressão e de familiares de desaparecidos políticos. "São 53 depoimentos ao todo, um mais forte do que o outro. Questionamos diversas vezes se era certo tocar a campainha daquelas pessoas e pedir para que falassem sobre parentes desaparecidos. Mas, ao final da conversa, normalmente elas estavam aliviadas por terem participado", relatou Robles.

O diálogo com o público presente contou com o acompanhamento dos psicanalistas da Clínica do Testemunho Projetos Terapêuticos-SP Issa Mercadante, Maria Marta Anzzolini e Rodrigo Blum, que definiu a Conversa Clínica Pública como um lugar onde "os traumas, as dores e as memórias possam ganhar algum outro âmbito de circulação". Anzzolini pontuou a importância de um programa de reparação promovido pelo poder público: "Quando o Estado abre um espaço como esse, está fazendo o reconhecimento de um dano causado”.

Um dos depoimentos dos participantes partiu da psicóloga Miriam Leirias. Segundo ela, o período da ditadura acabou com a "alegria de participar das coisas da rua, das coisas da cidade". “Quando vim para São Paulo, mesmo sem estar em um grupo (de resistência), escondi pessoas na minha casa. Em um momento, eu nem sabia quem eu estava escondendo. Quanto menos eu soubesse era melhor, era uma questão de proteção”, relatou.

Realizadas pelo Instituto Projetos Terapêuticos, as Clínicas do Testemunho são promovidas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. A iniciativa visa oferecer apoio e reparação psicológica aos afetados pela violência de Estado durante a ditadura civil-militar, de 1964 a 1985.