Dia Nacional de Luta pelos Direitos da Pessoa com Deficiência: um olhar sobre as mulheres cuidadoras

Uma preocupação que começa a entrar na agenda dos agentes públicos diz respeito às cuidadoras dos familiares, filhas e filhos, esposos, pais e mães com algum tipo de deficiência, que em geral, são cuidados por suas mulheres, mães ou irmãs, tias, ou no máximo, uma parente próxima

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência afirma que “a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e aos ambientes que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade”.

Dados do IBGE (Censo 2010) apontam que 23,9% da população brasileira é composta por pessoas com deficiências física ou intelectual, com maior ou menor comprometimento de sua mobilidade e autonomia. Deste universo, as mulheres representam 56,6%, sendo a maioria é da raça negra (51,3%).

Os números são expressivos e demonstram que neste Dia Nacional de Luta pelos Direitos da Pessoa com Deficiência há, ainda, muito que se fazer para que seja promovida a verdadeira inclusão. Isto significa colocar em prática as legislações sobre os direitos das pessoas com deficiência e a inserção de políticas públicas específicas, que contemplem várias áreas e promovam a dignidade e a cidadania.

Cabe-nos citar os serviços de saúde, que ainda precisam de ajustes para atender esse segmento, conforme suas necessidades. Embora tenha havido modificações recentes na acessibilidade, estes serviços, fisicamente, ainda não são estruturados para atender as mulheres com deficiências. Como exemplo, temos a largura das portas que, às vezes não comportam as cadeiras de rodas, ou as inadequadas mesas ginecológicas. Para que a verdadeira inclusão seja realizada, é necessário fazer encomendas específicas para os fabricantes, o que dificulta o atendimento rápido das demandas de saúde.

Nesse cenário, um importante passo foi dado pela Prefeitura de São Paulo com a inauguração, em dezembro de 2013, e posterior ampliação, do Centro Especializado em Reabilitação (CER) IV do M’Boi Mirim, localizado no bairro Jardim Herculano, na Zona Sul da capital e que compõem a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.

A unidade recebeu, este mês, do Ministério da Saúde dois veículos adaptados para pessoas sem condições de mobilidade e acessibilidade autônoma aos meios de transporte convencional, ou com grandes restrições ao acesso e uso de equipamentos urbanos.

Cumpre-nos ainda lembrar que a opressão que sofrem muitas mulheres com deficiência acontece também dentro de casa, resultante de situações de violências e privação de direitos, que vão desde lesão corporal até privação de cuidados pessoais e de comunicação.

A dupla desvantagem de mulheres que sofrem violência baseadas em gênero e deficiência merece ser apontada com todo rigor, pois se trata de dupla vulnerabilidade. Estas são especialmente vulneráveis ao abuso sexual, dada a impossibilidade de defesa física de algumas, o que leva a maior risco. O mais grave, porém, é que as mulheres com deficiências são tratadas como não sujeitos políticos e essa é a luta mais cara: criar as suas pautas de participação.

Outra preocupação levantada e que começa a entrar na agenda dos agentes públicos diz respeito às cuidadoras dos familiares, filhas e filhos, esposos, pais e mães com algum tipo de deficiência, que em geral, são cuidados por suas mulheres, mães ou irmãs, tias, ou no máximo, uma parente próxima.

Olhar o cotidiano de quem cuida, o contexto e as condições onde realiza o seu trabalho remete à invisibilidade de gênero e suas injustiças. A falta de reconhecimento de quem cuida é a primeira injustiça. Estas cuidadoras, em grande parte, cuidam gratuitamente das pessoas com deficiências adquirindo, na prática, uma “competência que é naturalizada”, já que o objeto de amor, quando não de caridade, é tido como obrigatório. As obrigações aparecem como decorrentes do processo, mesmo as que acarretam desgaste físico e psicológico. Na maior parte das vezes, estão sujeitas a trabalhos pesados, sem apoio social do Estado ou de instituições públicas, se sobrecarregam e deixam de ter vida própria.

Com essa preocupação e pensando em garantir maior visibilidade às mulheres cuidadoras a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM), em conjunto com a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED), Coordenadoria de Políticas da Pessoa Idosa, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estão desenvolvendo ações para ouvir essas mulheres. Esse será o primeiro e cauteloso passo para que, no futuro, possamos desenhar uma Política Municipal de Cuidados, já que somos todos interdependentes. Nossa percepção é a de que nem sempre o altruísmo dá conta de explicar a aceitação dessas cuidadoras de situações de exploração e de falta de solidariedade, já que a maior parte dos casos vem acompanhada da situação de pobreza e da falta de apoio do poder público.

A falta de vida própria e o cuidado de si da pessoa que cuida, em geral, da mulher cuidadora de um parente com deficiência, às vezes só é percebida quando a dádiva como um recurso inesgotável, se interrompe por doença ou stress profundo.

Como poder público, nosso desafio atual é refletir e estabelecer os limites dessa atividade, e oportunizar às cuidadoras espaços de escuta e de proposição baseados nas necessidades cotidianas do cuidar. 

Denise Motta Dau - Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres