Cemitério de Perus recebe primeira cerimônia em homenagem a mortos da ditadura militar

31 nomes em uma placa, finalmente inaugurada. O gesto, realizado no fim da tarde de segunda-feira no Cemitério Dom Bosco, representou não só um marco de memória – mas sim o reconhecimento, por parte do município de São Paulo, da trajetória de militantes que lutaram contra a ditadura e, infelizmente, foram mortos por ela.

“Violações cometidas durante a ditadura militar são uma página infeliz de nossa história. Não temos como fazer a reparação do que aconteceu e, no caso do Brasil, a Lei de Anistia ainda impediu o julgamento dos que cometeram esses atos. Então hoje, aqui, cumprimos uma marca de memória, para que não esqueçamos deste período e para que estes atos não se repitam. Temos o compromisso de dar seguimento a tudo que possa representar um pouco de justiça”, afirmou a secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eloisa Arruda.

Realizada em conjunto pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) e pelo Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP), a cerimônia foi a primeira de três a serem realizadas em setembro em homenagem aos mortos e desaparecidos da ditadura militar sepultados — ou ocultados — em cemitérios municipais de São Paulo entre 1969 e 1979. A inauguração das placas é considerada instrumento fundamental de reparação às vítimas da ditadura e seus familiares, e atende à recomendação nº 19 do relatório final da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, publicado em dezembro de 2016, após dois anos e três meses de investigação sobre as violações praticadas por agentes do Estado. Além da placa foram também plantados 31 ipês, que receberam etiquetas com o nome de cada uma das vítimas sepultadas no cemitério e identificadas pela equipe do Grupo de Trabalho Perus.

A cerimônia contou ainda com a participação do vereador Gilberto Natalini, da prefeita regional de Perus, Luciana Torralles Ferreira, de integrantes do Comitê Paulista pela Memória e de amigos e familiares das vítimas. Para a secretária, foi também um momento de reencontro com a história: “Quando a vala foi aberta, em 1990, fui eu a promotora desse caso. E ficou aquele incômodo em minha carreira, porque além dos crimes prescritos eu não poderia processar o Estado brasileiro. Mas passei a acompanhar tudo, de longe, e a vida me trouxe de volta a esse caso. Hoje fica aqui esse gesto, simbólico, pela luta e pela memória dessas pessoas que tentaram fazer deste país um Brasil melhor”.

Vala de Perus

Aberta em 4 de setembro de 1990, a vala clandestina de Perus possibilitou que fossem encontradas 1.049 ossadas de vítimas de esquadrões da morte, indigentes e presos políticos – todas sem identificação. Na época, a prefeitura determinou a apuração dos fatos e fez um convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a identificação das ossadas. O trabalho foi interrompido e, em 2002, as ossadas foram levadas para o Cemitério do Araçá, sob responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP).

Em 2014, por meio de cooperação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho de identificação dos restos mortais resgatados da vala clandestina do cemitério de Perus foi retomado. Infelizmente, poucas ossadas foram identificadas até hoje – ainda este mês, amostras de material genético serão enviadas para análise de DNA em um laboratório internacional.

A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania também vem trabalhando para que possam ser feitas as retificações nas certidões de óbito dessas vítimas, a fim de restabelecer a verdade nesses documentos. Outras duas placas serão inauguradas, este mês, nos cemitérios de Campo Grande e Vila Formosa.