SMDHC promove visita a lugares de memória no Bom Retiro

A atividade é uma das premiações previstas para os ganhadores do Edital de Educação em Direito à Memória e Verdade

No último sábado (12), gestores, educadores e estudantes se reuniram no arco do portal de entrada do antigo Presídio Tiradentes, ao lado da estação Tiradentes do metrô. O ponto foi o primeiro do trajeto por espaços situados no bairro do Bom Retiro que foram palco da repressão e também de resistência a ditadura civil-militar. A visita foi promovida pela coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDHC) como uma das premiações do Edital de Educação em Direito à Memória e à Verdade nas Escolas.

No presídio, hoje sede de uma agência bancária, o grupo escutou o relato de Alípio Freire, preso aos 23 anos durante o regime militar. "Nós, presos políticos, éramos julgados não pela justiça civil, mas militar. Funcionava assim: os presos eram basicamente sequestrados, não havia mandado", contou Alípio.

De forma descontraída, ele explicou aos jovens como era a sociedade durante o período e como era a repressão para os que contestavam o regime. "Pra vocês terem uma noção, em dezembro de 1969 eles jogaram milhares de panfletos de avião pela cidade, lembrando a população de denunciar pessoas esquisitas, seja lá o que isso significa!", ironizou. Alípio relatou também que o local não foi usado como espaço de violência apenas durante a ditadura, mas durante vários períodos da história brasileira. Criado em 1852, durante o regime escravocrata, o presídio foi utilizado como depósito de negros escravizados que seriam leiloados no Largo da Memória.

Alípio Freira relatando sua vivência no Presídio Tiradentes.

O grupo também visitou o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), conhecido como “Casa do Povo”, criado para homenagear os mais de seis milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Transformado ao longo do tempo, hoje o espaço é um centro para a produção, reflexão e fruição livre de ideias. "A Casa do Povo é um lugar muito vivo, que se transforma e faz sentido para as novas gerações. É um lugar muito pertinente nesse sentido de memória.", opinou Valéria Boa Sorte, uma das visitantes.

O terceiro local visitado foi a Oficina Cultural Oswald de Andrade, sede da exposição Monumento Mínimo: arte como emergência, da artista Néle Azevedo em conjunto com o projeto Memórias Resistentes, Memórias residentes realizado pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade com conceituação e design de Luis Felippe Abbud. Tanto Néle quanto Abbud acompanharam a visita e puderam trocar experiências com os presentes.

Estudantes na Exposição Monumento Mínimo: arte como emergência.

"É fundamental as escolas saírem dos muros e se apropriarem do entorno, usarem o território como meio educativo. Usar a memória como mecanismo de atualização da história.", afirmou Abílio Ferreira, escritor e jornalista.


O percurso terminou no Memorial da Resistência de São Paulo, instituição dedicada à preservação de referências das memórias da resistência e da repressão política por meio da museologia de parte do edifício que foi sede, durante o período de 1940 a 1983, do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo – Deops/SP.

Para a professora de história Patrícia Cerquer, da EMEF Professor Jorge Americano, é importante conhecer os lugares para entender melhor o período."Eu e minhas alunas moramos em local segregado da cidade e esses lugares que visitamos hoje ficam reduzidos a letras mortas quando estudados à distância. Foi importantíssimo também o acervo de livros sobre a ditadura que a escola ganhou com o edital", lembrou.

Clara Castellano, coordenadora-adjunta de Direito à Memória e à Verdade, destacou o caráter pedagógico da visita. "Memória não é o contrário do esquecimento, memória é seleção. A historiografia tradicional conta o lado dos ’vencedores‘, por isso é importante trazer a memória da resistência".

Sobre o programa



O passeio é uma das premiações previstas do Edital de Educação em Direito à Memória e à Verdade nas Escolas. O Edital integra o programa Conhecer para Não Repetir, um dos eixos prioritários de ação da Coordenação DMV que busca fomentar na Rede Municipal de Educação o debate sobre a ditadura de 1964 e os legados repressivos no presente. Percebendo que a educação sobre o período e a própria formação inicial dos educadores é bastante frágil, o programa mobilizou ao longo de 2014, 2015 e 2016 mais de seis mil educadores e estudantes em oficinas, seminários, peças de teatro, cine-debates e outras atividades que abordaram os anos de repressão e também de resistência.

A visita foi uma oportunidade interessante para que educadores e estudantes que já trabalham com a temática tivessem contato ainda mais aprofundado com essa memória, diretamente nos locais onde a história do período ocorreu, isto é, nos Lugares de Memória. Dessa forma a visita fez interface com a frente de Lugares de Memória da CDMV, projeto que tem por objetivo dar visibilidade a marcos simbólicos das lutas de resistência à ditadura militar, bem como da repressão, como forma de promover a consciência política e a construção da memória coletiva e social, além de se propor a ressignificar esses lugares, reforçando a concepção de cidade como local do convívio político, social e de exercício da cidadania.

A publicação Memórias Resistentes. Memórias Residentes é uma das principais entregas do projeto. Construído em parceria com o Memorial da Resistência, a publicação reúne um levantamento dos principais marcos de memória sobre a ditadura militar na cidade de São Paulo, com descritivo, fotografias e georreferenciamento de cada local. O material se vale de identidade visual e de linguagem direcionadas ao público jovem, que não vivenciou esse período e que também deve ter assegurado o direito a conhecer a história, para evitar que as mesmas violações se repitam.