Violência policial e maioridade penal: debates nas periferias

Representantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania vão ao CEU Perus discutir questões da violência no país

Qual é a importância de discutir, diretamente de um bairro periférico da cidade de São Paulo, a questão da violência policial? Dentro de uma escola, realizar um debate sobre maioridade penal? O diretor do Centro Educacional Unificado de Perus, Márcio Bezerra, propôs exatamente isto para o evento que acontece no auditório de seu colégio. A resposta do diretor a essas perguntas não poderia ser mais direta: "Ontem um menino de 17 anos foi baleado próximo ao CEU Anhanguera, entrou na escola para buscar socorro, mas não sobreviveu."

Na noite de 13 de maio, dois dias após o assassinato do garoto Jefferson, o auditório do CEU Perus lotou, desde cedo, para discutir violência e criminalidade com autoridades no assunto: Eduardo Suplicy, secretário de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Carla Borges, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade (DMV) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), e José Soro, líder e ativista comunitário.

Carla justifica a presença da Coordenação de DMV na mesa de discussão lembrando que o legado autoritário da ditadura ainda se faz presente. "A própria vala clandestina começa a nos provar, pelas análises que têm sido feitas, que não foram só perseguidos políticos e opositores do regime que foram presos, torturados e que terminaram perdendo suas vidas." Segunda ela, pessoas de regiões mais vulneráveis da cidade também eram perseguidas por grupos de extermínio e pararam nessa mesma vala clandestina. Hoje, a atuação da Polícia Militar paulista dá autoridade ao discurso de Carla. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2014, 356 pessoas morreram em decorrência de intervenções da PM na Grande SP - nenhuma no Centro, região que concentra a maioria dos bairros nobres da cidade.

Carla também alerta o público sobre a importância de contribuir para o debate com argumentos sólidos, baseados em informações corretas. "Essa lacuna dá espaço a mitos que sustentam os argumentos que têm sido levados à Câmara para defender a redução da maioridade penal. Por isso recorrer aos dados, que nos ajudam a desmontar argumentos que não fazem sentido." As estatísticas que Carla apresenta impressionam o público. "Apenas 1% dos crimes de homicídio são cometidos por crianças e adolescentes, sendo que a maior parte do total desses delitos, 68%, são de roubo, ou seja, crimes contra o patrimônio e não contra a vida", revela.

A SMDHC se posiciona firmemente contra a PEC 171 que propõe reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. "Se quisermos reduzir a criminalidade violenta, precisamos criar instrumentos que elevem o grau de justiça na sociedade, não reduzir a maioridade penal", sugere Suplicy, arrancando aplausos do público - que também é majoritariamente contra a medida. Para Carla, a proposta de redução da maioridade penal revela uma inversão de valores na sociedade. "É uma série de negação de direitos: acesso à educação de qualidade, saúde, cultura, espaço do brincar. É uma série de omissões do Estado que levam a juventude a uma situação de vulnerabilidade. A gente está colocando como algoz quem na verdade é a grande vítima."

A recente morte do menino Jefferson, em Perus, desenha o perfil da violência no Brasil: a vítima jovem, negra, moradora de periferia. "Um garoto, como todos que a gente observa por aqui: quase branco, quase preto, careca, que anda com uma bombeta, moletom, bermuda. Esse garoto que tá em nossas salas de aula, muitas vezes invisíveis", desabafa Eduardo Oliveira, gestor do CEU Anhanguera, onde Jefferson faleceu. O garoto, com seus trajes de moleque e habilidoso com a bola de futebol, está nas lembranças dos conhecidos, mas é memória também da violência do país. "No Brasil, um adolescente é morto por hora", lembra Carla.

A informação é do Mapa de Violência de 2012, último ano deste anuário estatístico. O levantamento expõe um quadro de violência grave: enquanto a taxa de homicídios de brancos cai, a de negros cresce. No período de 2002 a 2010, mortalidade entre brancos teve queda de 30% - de 41 para 28 mortes por 100 mil habitantes. Enquanto isso, a de jovens negros cresceu de 70 para 72 mortes por 100 mil habitantes - aumento de 3,5%. Com isso, morrem, vítimas de homicídios, 154% mais jovens negros do que brancos.

A conclusão do Mapa da Violência 2012 é clara. O que impulsiona essa vitimização não é o crescimento dos homicídios de negros - que aumentaram pouco no período, mas a forte queda da mortalidade entre brancos. "Isso nos remete não a contextos globais da sociedade, mas sim a estratégias e políticas de segurança e proteção da cidadania que incidem diferencialmente nesses segmentos da população", aponta Julio Waiselfiz, autor do relatório.

Emocionado, o gestor Eduardo sintetiza a importância da discussão. "Foi esse garoto que nos abalou e ao mesmo tempo está fazendo com que a gente reflita muito mais sobre essa história. Estão matando os nossos meninos. Precisamos nos organizar, precisamos buscar saídas pra isso. Porque a vida não tá valendo absolutamente nada para os nossos moleques."