Estado brasileiro entrega código genético para familiares de desaparecidos políticos

Ação ocorreu durante reunião do grupo que acompanha os trabalhos de análise das ossadas de Perus

O Comitê Gestor do Grupo de Trabalho Perus (GTP) reuniu-se na última sexta-feira, dia 8, com o Comitê de Acompanhamento, para prestar esclarecimentos e tirar dúvidas a respeito do trabalho em curso de investigação das ossadas encontradas na Vala Clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, em 1990. O Comitê de Acompanhamento é composto por representantes do Comitê de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, familiares consanguíneos dos desaparecidos cujos restos mortais possam estar entre os exumados na vala clandestina, representantes do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo e do Ministério Público Federal. Esta foi a segunda vez que o Comitê de Acompanhamento reuniu-se com o Comitê Gestor e com o coordenador do Comitê Científico, Samuel Ferreira.

“Para nós, estar aqui é um processo histórico. Sabemos das dificuldades, mas também nunca estivemos tão próximos de chegar ao fim desse processo”, disse, na abertura do encontro, Rogério Sottili, secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC). “Essa reunião é muito importante. É o momento em que fazemos as prestações de contas e também a correção de rumos, ouvindo as ponderações dos integrantes deste grupo”, completou.

A análise dos restos mortais está sendo feita por uma equipe composta por antropólogos, arqueólogos, peritos médicos-legistas e peritos odonto-legistas. O grupo trabalha diariamente no Centro de Antropologia Forense (CAAF), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), laboratório criado especialmente para acolher os trabalhos do GTP, e que pretende se consolidar como um laboratório permanente de arqueologia e antropologia forense, apto a receber outros casos de suposta violação aos direitos humanos, tanto do período da ditadura como do presente.

Desde que iniciaram as análises das ossadas no CAAF, em outubro de 2014, até abril de 2015, já foram analisados 282 restos mortais, de um total de 1.049 caixas exumadas da vala clandestina de Perus. Das 282 periciadas, em seis foram encontradas lesões compatíveis com sinais de ação por arma de fogo, e em 30 ossadas foram observadas marcas de lesões contusas, produzidas por objetos com forma e volume definidos. “Estes objetos atingem a superfície, e não um ponto, como um tiro”, explicou Samuel Ferreira, avaliando que podem ser sinais de atropelamento, por exemplo. Cerca de 80% das ossadas analisadas até o presente enquadram-se nos intervalos de idade, estatura e gênero dos 42 desaparecidos políticos que podem ter sido enterrados na vala clandestina. Apesar disto, por enquanto nenhuma destas ossadas são compatíveis com os 42 desaparecidos políticos que podem ter sido enterrados na vala clandestina.

Presente na reunião, José Pablo Baraybar, diretor-executivo da Equipe Peruana de Arqueologia Forense (EPAF), grupo que presta consultoria à equipe do CAAF, afirmou que o trabalho em curso no Brasil pode influenciar outros países latino-americanos. “O Brasil é um caso muito importante nesta questão dos desaparecidos, não só políticos. Para nós, do Peru, estar aqui é também uma oportunidade. Não somente para identificar desaparecidos, mas também para desenvolver mudanças nas políticas públicas de modo geral”, ponderou José Pablo, lembrando que, na cidade de São Paulo, milhares de pessoas ainda hoje desaparecem e são enterradas sem identificação. “A mudança tem que começar em algum lugar, e o Brasil pode ser essa oportunidade.”

Código genético

A segunda reunião de 2015 do Comitê de Acompanhamento foi marcada pela entrega do certificado do código genético para três familiares de desaparecidos políticos que doaram suas amostras em tentativas anteriores de identificação. Algumas das amostras de DNA haviam sido colhidas ao longo dos anos 2000, para a construção de um Banco de DNA nacional de familiares de pessoas desaparecidas. “O Estado brasileiro não podia ter cometido esse descalabro de demorar tanto tempo para entregar esses perfis genéticos e os certificados”, reconheceu Samuel Ferreira. “A entrega materializa todo o empenho do Comitê Gestor em resolver essa questão. Finalmente o Estado brasileiro responde essa demanda.”

Receberam os perfis e o certificado Helder Nasser Duarte, em nome de seu pai já falecido, Aprígio Anastácio Duarte (irmão do desaparecido político Edgard Aquino Duarte), Maria do Amparo Almeida Araújo (irmã do desaparecido Luiz Almeida Araújo), e Maria Cristina Capistrano (filha do desaparecido David Capistrano da Costa).

A próxima reunião do Comitê de Acompanhamento ficou agendada para agosto de 2015.