Exposição Ecco Narcisus de HUDINILSON JR

A atual instalação na Capela do Morumbi é uma nova montagem do trabalho apresentado pela primeira vez por Hudilson Jr. na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 1992. Naquela montagem, Hudinilson havia adaptado os elementos que compõem sua instalação para uma sala com janelas e piso de assoalho que, na época, integrava os espaços expositivos da Pinacoteca. Um ano depois, quando esteve na abertura da última exposição feita por José Leonilson, uma instalação criada com objetos, roupas e bordados na Capela do Morumbi, Hudinilson teve a certeza de que aquele seu trabalho ficaria perfeito naquele espaço: um ambiente sem janelas, com paredes semelhantes a rochedos, num lugar que fora sacro e seria suporte para um tema profano. Afinal não era a primeira vez que o artista manifestava o mito greco-romano de Narciso em seus trabalhos. Obcecado pela figura do belo rapaz que se enamora por sua própria imagem, a despeito do melancólico fim que o mito encerra, Hudinilson vem explorando ao longo de vários anos as intrincadas relações presentes nessa estória.

Ecco Narcisus é formada por três imagens impressas em papel termográfico (papel de fax) ligadas à iconografia cristã: de um lado, vemos um detalhe do Êxtase de Santa Teresa, a famosa e sensual escultura do barroco italiano criada por Bernini. Do outro, vemos um detalhe do rosto de Jesus da Pietá esculpida por Michelangelo e ao fundo se encontra a imagem fotográfica de um homem nu que o artista associa ao sudário, semelhante ao Santo Sudário de Turin (que se supõe, seria um “retrato verdadeiro de Cristo”, uma achiropita ou imagem “não realizada pela mão humana”). Essas três imagens cercam o elemento central da instalação que é o lago de espelhos, à beira do qual se encontra não uma flor de narciso, como no mito, mas uma pedra tumular, um cenotáfio – um túmulo vazio, “monumento à memória de um morto, sem o seu corpo nele sepultado”.

Nas três imagens os personagens se encontram de olhos fechados ou semicerrados, como no êxtase de Teresa. Isso nos remete a uma figura secundária do mito de Narciso, o velho Tirésias, o vidente cego de Tebas que previu que o belo jovem viveria muito se não fosse confrontado com a sua própria imagem, com seu reflexo. O velho vidente também é famoso na mitologia por ter passado sete anos de sua vida transformado em mulher, o que lhe teria dado um conhecimento único sobre o prazer de ambos os sexos e que, numa das versões do mito, seria a causa de sua cegueira para as coisas do mundo, recompensada com o dom da vidência.

Outra figura chave no mito de Narciso e desta instalação é a ninfa Ecco, apaixonada pela própria voz mas condenada a repetir apenas os últimos sons das palavras que ouvisse. Desolada pela maldição imposta por Hera, mulher de Zeus, e pela desatenção de Narciso para com sua paixão, Ecco se refugiou nas montanhas, convertendo-se em pedra. É essa figura feminina que tem seu nome gravado no cenotáfio de Narciso, colocado às margens do lago de espelhos.

Para Hudinilson Jr. os fragmentos de espelho que margeiam o seu lago seriam as ondas provocadas na superfície pela mão do belo rapaz, em sua ânsia de alcançar a imagem refletida na água, que ele não distingue do mundo concreto. Mais uma vez a visão é negada e a imagem dissolvida pela tentativa do contato entre o corpo real e seu duplo líquido.

Ao imprimir aquelas três figuras em tiras de papel termográfico, o artista também imaginou uma lenta dissolução das imagens impressas nesse tipo de papel que, quando exposto à claridade, vai se apagando, mal deixando os traços do que sobre ele foi impresso. Esse desaparecimento sem vestígios seria também relacionado ao mito, uma vez que na sua narrativa o corpo de Narciso jamais foi encontrado, certamente transubstanciado na flor que leva seu nome.

Em outros trabalhos de Hudinilson Jr., como nos seus Cadernos de referência, livros de artista que contêm uma grande quantidade de imagens de conotações fálicas e explicitamente homoeróticas, as muitas variantes desse tema são estampadas de forma inquietante. Ao lado das figuras de garotos fortes, erotizados e garanhões surgem as imagens de rinocerontes, cavalos, elefantes, leões, colunas de pedra, deuses gregos e romanos, divas como Maysa e Elis Regina, além de outras imagens de corpos autopsiados, de auto-imolação, de prisioneiros esquálidos e crucificações.

Nas suas xerox-performances dos anos 80, o artista metaforizava ainda mais explicitamente o mito daquele que se encantou com seu próprio reflexo. Ao se debruçar sobre a superfície iluminada e transparente do vidro das copiadoras, Hudinilson protagonizou cópulas memoráveis entre um homem e uma máquina que lhe reproduz a imagem. Na estreita superfície daquele lago xerográfico o corpo do artista adquiriu expressões que são únicas na história recente daquilo que podemos chamar da imagem eletrônica na arte brasileira.

Jogando com o erotismo, o êxtase e a morte, Hudinilson Jr. transforma essa capela num cenotáfio não só do Deus cristão, descido da cruz e prostrado nos braços de sua jovem mãe terrena, mas também do jovem cuja beleza foi engendrada a partir do encontro de um deus1 com uma ninfa.

de 15 de agosto a 17 de outubro de 2010
abertura dia 14 de agosto, sábado, das 14 às 17h

encontro com o artista
dia 28 de agosto, sábado, às 14h

CAPELA DO MORUMBI
Av. Morumbi, 5387
Morumbi . São Paulo . SP
(11) 3772-4301
de terça a domingo das 9 às 17h
entrada franca

Museu da Cidade
(www.museudacidade.sp.gov.br)