A Cinelândia Paulista entre passado, presente e futuro

Coluna Ladeira da Memória

Fachada do Cine Art Palácio e do Plaza Hotel, na Avenida São João, em 1953. (Coleção MCSP/DPH/SMC/PMSP, Gabriel Zellaui))

O chamado Centro Novo de São Paulo concentrou grande número de salas de cinema entre as décadas de 1930 e 1950. A maioria delas ficava nas avenidas Ipiranga e São João, sobretudo entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Os cinemas ali em funcionamento eram cerca de 30 nos anos 1960, fato que tornou a região conhecida como a Cinelândia Paulista.

Além das salas de exibição, a presença de uma série de estabelecimentos e instituições conferia à região agitada vida cultural. Na Avenida São João e transversais, ficavam vários salões de dança. Na Avenida Ipiranga e imediações, espalhavam-se cabarés e boates. No Centro Novo também estavam o Theatro Municipal e a Biblioteca Mário de Andrade, o Colégio Caetano de Campos, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), teatros, bares, restaurantes, confeitarias, leiterias, livrarias, hotéis, estúdios das principais emissoras de rádio da cidade e redações de jornais.

Naquele período, a indústria cinematográfica crescera e se consolidara. As salas de cinema precisavam estar preparadas para receberem um público em massa.  Os espaços que surgiam eram elegantes e bem cuidados. Um dos primeiros cinemas construídos em São Paulo especialmente com essa função foi o Cine Ufa Palace, depois rebatizado de Cine Art Palácio, na Avenida São João, em frente ao Largo do Paissandu. Inaugurado em 1936, ocupava o térreo de um edifício de seis andares, de linhas modernistas e autoria do arquiteto Rino Levi, onde funcionava também o Plaza Hotel. A sala do Cine Art Palácio tinha capacidade para 3.119 espectadores.

Rino Levi projetou também o Cine Ipiranga, na avenida de mesmo nome, inaugurado em 1943. Assim como o Art Palácio, o Ipiranga ficava no térreo de um edifício de 22 andares, utilizado pelo Hotel Excelsior.

Outro grande cinema do centro era o Cine Marrocos, na Rua Conselheiro Crispiniano, no térreo de um edifício de escritórios. Projetado em 1951 pelos engenheiros João Bernardes Ribeiro e Nelson Scuracchio, o Marrocos tinha sua decoração interna inspirada nas histórias de As Mil e Uma Noites. A sala foi considerada, na época de sua construção, a sala mais imponente e luxuosa do Brasil.

O centro da cidade, incluindo a Avenida São João, começou a dar os primeiros sinais de deterioração ainda no fim dos anos 1950. A Avenida Paulista recebia os primeiros edifícios e conjuntos comerciais e atraiu a instalação de escritórios, consultórios médicos, lojas e cinemas, antes situados no Centro Novo. Depois da construção do Elevado Presidente Costa e Silva, o “Minhocão”, em 1970, a degradação da São João se acentuou rapidamente e mesmo o trecho não encoberto pela via elevada foi afetado. Aos poucos, os cinemas perderam os antigos freqüentadores, também atraídos pelas novas salas inauguradas na Avenida Paulista. Para não fechar as portas em definitivo, muitos cinemas passaram a exibir filmes pornográficos. Outros encerraram suas atividades e destinaram as antigas salas a usos diversos, como estacionamentos, igrejas e bingos. O Cine Ipiranga foi o único que resistiu por mais tempo, exibindo filmes do circuito comercial até 2005.
Reconhecendo seu valor histórico e arquitetônico, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) tombou os Cines Art Palácio, Dom José, Ipiranga, Marabá, Marrocos, Metrópole e Paissandu pela Resolução 37/92.
Desde os anos 1990, ações de revitalização da região central têm sido empreendidas pela iniciativa privada, governo e organizações não-governamentais.  A mais recente diz respeito à declaração de utilidade pública para desapropriação pela Prefeitura dos antigos Cines Art Palácio, Ipiranga e Marrocos. Desta forma, pretende-se recuperar não apenas os antigos cinemas da Cinelândia Paulista, mas a vida cultural da região.

O Cine Marrocos, na Rua Conselheiro Crispiniano, em 1970. (Coleção MCSP/DPH/SMC/PMSP, Sebastião de Assis Ferreira)

Para o Cine Art Palácio, está prevista a sua transformação em uma casa de espetáculos musicais, administrada pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC). O Ipiranga terá sua vocação original preservada, passando a funcionar como cinema municipal, também sob os cuidados da SMC. O Marrocos será utilizado conjuntamente pela Secretaria Municipal de Educação e pela SMC. Sua antiga sala será transformada em um auditório para a realização de seminários, simpósios e apresentações de pequenos grupos de música erudita, uma vez que está ao lado da futura Praça das Artes, que abrigará os corpos artísticos do Theatro Municipal e um centro de documentação.