Memória e natureza no extremo sul de São Paulo

Coluna Ladeira da Memória

Natália Maria Salla

Túnel nº 26 do ramal Mairinque-Santos, antes da descida da Serra do Mar. (Acervo Divisão de Preservação/DPH/SMC, 2006.)

As Áreas de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos e Bororé-Colônia, no extremo sul de São Paulo, abrigam diversos bens de interesse histórico e arquitetônico Dentre os elementos a serem preservados, além dos ambientais, estão casas, igrejas, cemitérios, túneis, estação e vila ferroviária, entre outros bens atualmente em  processo de tombamento, que guardam a memória da ocupação humana da região.

As APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia foram criadas em junho de 2003 e maio de 2006, respectivamente, e possuem zoneamento específico, contemplado atualmente pelo Plano Diretor Estratégico do Município, abrangendo a proteção de todos os elementos, ambientais e humanos, necessários à preservação da paisagem. Caracterizam-se pelo uso sustentável de seus recursos naturais, parte significativa da água utilizada para abastecer a cidade e as últimas áreas com vegetação da Mata Atlântica em São Paulo.

A região pertenceu ao município de Santo Amaro, transformado em subprefeitura de São Paulo em 1935. Dali, desde meados do século 19, saía boa parte dos produtos agrícolas consumidos na capital. Também de suas matas, hoje recuperadas e preservadas, retirou-se madeira para fabricar carvão vegetal, destinado a alimentar as indústrias paulistanas.

A área sempre foi local de passagem entre a capital e o litoral. Os indígenas e caboclos que a habitavam utilizavam o Caminho para Conceição de Itanhaém, que por ali passava, para acessar a Serra do Mar. Com a chegada de imigrantes alemães a partir de 1827, iniciou-se uma ocupação efetiva da área. O núcleo de Colônia foi o primeiro fundado e abriga até hoje dois importantes bens de seus primeiros tempos: a igreja e o cemitério de Colônia. A igreja foi erguida no final do século 19 e compõe um importante conjunto com o cemitério, um dos mais antigos de São Paulo, construído em 1828, logo após a chegada dos alemães. No cemitério eram sepultados católicos e protestantes, o que fez com que em 1845, alguns anos depois de sua abertura, o vigário de Santo Amaro solicitasse ao bispo diocesano a consagração de um cemitério exclusivamente católico ao lado do antigo.

A cratera de Colônia, contígua ao primitivo núcleo alemão, é considerado patrimônio ambiental e histórico da capital. O impacto de um meteoro, há milhares de anos, pode ter sido a causa do afundamento do terreno, em um diâmetro de 3,64 quilômetros, em formato circular. O solo da cratera dispõe de dados sobre a história geológica de São Paulo. Desde a década de 1970, parte da área abriga o loteamento de Vargem Grande, que conta, atualmente, com 35 mil moradores. A cratera ainda abriga um parque natural.

Sepulturas do Cemitério Protestante de Colônia. (Acervo Divisão de Preservação/DPH/SMC, 2007)

Outros dois importantes núcleos são Marsilac e Evangelista de Souza, já no limite da cidade com a Serra do Mar. Suas edificações são representativas do desenvolvimento tecnológico ferroviário paulista. Os dois conjuntos históricos estão ligados à instalação do ramal Mairinque-Santos da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), importante elo de escoamento industrial entre o interior e o litoral durante parte do século 20. A EFS foi construída fora do município de São Paulo – em Santo Amaro, na época –, pois a antiga Estrada de Ferro Santos-Jundiaí detinha, até meados da década de 1940, o monopólio desse tipo de transporte entre São Paulo e o litoral.

A construção do ramal foi planejada por trinta anos e os incrementos tecnológicos foram muitos. A estrada conta com 27 túneis entre Evangelista de Souza e Santos. Três desses túneis estão nos limites do município de São Paulo. Além disso, as entradas dos túneis do ramal ostentam elementos Art Déco, estilo em voga na década de 1930, período em que foram construídos.

O núcleo de Marsilac conta com algumas casas e uma igreja de meados do século 20. Em Evangelista de Souza ainda estão presentes a estação e a vila ferroviária, com numerosas casas e uma usina e subestação de energia, fruto da eletrificação da linha em 1956. Desde 1997, a ferrovia é utilizada apenas para o transporte de cargas entre o litoral e o interior.

Outros núcleos no extremo sul da cidade também possuem importantes bens históricos e arquitetônicos em processo de tombamento, como a igreja e o cemitério de Parelheiros, as casas do centro de Embura, a Igreja de São Sebastião na Ilha do Bororé, entre outros. A preservação desses imóveis permite recuperar e valorizar a história da área e compreender de quais formas se deu ali a integração entre o homem e natureza.

 

SÃO PAULO. Cidade. Em Cartaz: guia da Secretaria Municipal de Cultura.  n. 36, jun. 2010. p. 56-57.
Texto revisto em 17.9.2010.