A Chácara Lane

por Fatima Antunes

Em meio a edifícios e ao trânsito intenso da Rua da Consolação, está a antiga casa-sede de uma chácara do final do século 19. Conhecida hoje como “Chácara Lane”, a propriedade foi formada pelo missionário presbiteriano norte-americano George Chamberlain quando a Rua da Consolação era uma estrada rural, de casas esparsas e poucos moradores, caminho natural daqueles que se dirigiam a Pinheiros.

Chamberlain e sua esposa, Mary Annesley, formaram uma pequena escola em 1870, embrião da futura Escola Americana. Depois de funcionar na sala de sua casa e em dois prédios improvisados, Chamberlain procurou estabelecê-la no atual bairro de Higienópolis, uma vez que o aumento do número de alunos exigia acomodações mais apropriadas. A partir de 1880, adquiriu terrenos na quadra atualmente ocupada pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie, com recursos vindos da Junta de Missões Estrangeiras de Nova Iorque. Também adquiriu terrenos com recursos próprios, na mesma quadra, para uso particular. Em um deles, com entrada pela Rua da Consolação, mantinha um chalé.

Nas décadas seguintes, uma parte dos terrenos de Chamberlain foi doada e outra parte vendida por seus familiares para a ampliação da Escola Americana.

Em 1906, quatro anos depois de sua morte, a viúva e os filhos venderam a propriedade de 16 mil metros quadrados da Rua da Consolação ao Dr. Lauriston Job Lane, filho de Horace Lane, então diretor da Escola Americana. Nascido nos Estados Unidos em 1875, Job Lane passou parte da infância em São Paulo e formou-se em medicina na Universidade da Pensilvânia. Casado com Helen Maxwell, teve com ela três filhos: Lauriston Job Lane Junior, Horace Manley Lane e Elisabeth Lane. Logo após a compra da chácara da Consolação, a família Lane passou a residir ali. Ao longo do tempo, uma série de reformas e ampliações foram executadas no antigo chalé, e no terreno como um todo, de modo a oferecer maior conforto à família. Em 1915, com base em projeto desenvolvido pelo engenheiro-arquiteto norte-americano Jorge Krug, a casa-sede foi reformada e passou a exibir as linhas arquitetônicas que ainda preserva.

Job Lane era médico do Hospital Samaritano, instituição que ajudou a fundar, e também mantinha um consultório em casa. Atendia aos pacientes numa sala adaptada no interior da casa-sede, até que providenciou a construção de um prédio unicamente para funcionar como consultório, no alinhamento da Rua da Consolação, onde trabalhou com o filho mais velho, Lauriston, médico como o pai.

Dr. Lane residiu na chácara da Rua da Consolação de 1907 até o seu falecimento, no dia 30 de outubro 1942. No ano seguinte, a Prefeitura declarou a propriedade de utilidade pública, necessária à instalação de uma unidade de educação infantil no bairro, precursora da atual Escola Municipal de Educação Infantil Gabriel Prestes. Parte da chácara foi reservada à escola; e outra parte, cedida em comodato ao Instituto Mackenzie.

Desde então, o antigo casarão teve usos diversos. Em 1947, foi cedido à Escola de Engenharia Mackenzie para a acomodação de salas de aulas. Em 1956, o Arquivo Histórico de São Paulo transformou-o em sua sede. Em 1995, o sobrado passou a abrigar a Biblioteca Circulante da Secretaria Municipal de Cultura, que permaneceu neste local até 2008, quando foi transferida para o prédio da Biblioteca Mario de Andrade. No ano seguinte, a área que havia sido cedida ao Instituto Mackenzie em comodato foi definitivamente vendida àquela instituição de ensino.

A antiga casa-sede da Chácara Lane, bem tombado pelo Conpresp e testemunho da urbanização da Rua da Consolação, passou por obras de restauração entre 2008 e 2012 e é, agora, reaberta ao público como o “Gabinete do Desenho”, abrigando exposições temporárias e o acervo de papel da Coleção de Arte da Cidade.

Mas nem todos os seus visitantes a vêem assim. Para Helen Lane, João Moreno e Maria de Lourdes Crespo, a chácara em que passaram a infância vai continuar evocando lembranças do passado, como o pouso forçado de um pequeno avião na frente da casa-sede nos anos 1930, as festas que a família oferecia aos amigos na varanda onde era servido um sorvete de amêndoas especialmente preparado pela cozinheira, os cortejos fúnebres rumo ao Cemitério da Consolação, o frondoso bambuzal que cercava a chácara, o futebol dos alunos do Mackenzie observado por cima do muro...