A casa-sede do Sítio da Ressaca

Coluna Ladeira da Memória

Fatima Antunes


A casa-sede do Sítio da Ressaca em 1938. (Coleção MCSP/DPH/SMC/PMSP, B.J. Duarte)

Entre prédios, avenidas e muito trânsito, São Paulo ainda guarda vestígios do estilo de vida rural que um dia existiu por aqui. Encontrá-los é como se lançar a uma caça ao tesouro, repleta de surpresas e descobertas. A casa-sede do Sítio da Ressaca, no bairro do Jabaquara, é uma dessas preciosidades.

Deve ter sido essa a sensação que Mario de Andrade experimentou ao “descobrir” a casa rural do Jabaquara em 1937, quando ocupava o cargo de diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Mario incluiu a casa numa relação de outras “casas velhas”, como costumava dizer. Eram construções do período colonial, identificadas por ele na zona rural de São Paulo e nos municípios vizinhos, que considerou serem de interesse histórico e passíveis de tombamento pelo recém-criado Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O fotógrafo Benedito Junqueira Duarte, também do Departamento de Cultura, captou uma série de imagens da casa, de diferentes ângulos, em 1938. São os registros fotográficos mais antigos da casa e do sítio, hoje pertencentes à Coleção do Museu da Cidade de São Paulo.

De acordo com os levantamentos documentais realizados por Mario de Andrade, o sítio teria pertencido, em 1694, ao padre Domingos Gomes Albernaz. Construída em taipa de pilão, a casa-sede do Sítio da Ressaca data, provavelmente, de 1719, dedução a que se chega em virtude de uma inscrição existente na verga da porta principal. Com telhado em duas águas, a casa possui um único alpendre, posicionado numa das extremidades da fachada e não na parte central, como é comum em construções similares. O nome Ressaca teve origem no córrego de mesmo nome, que banhava a propriedade.

Seu último proprietário foi Antonio Cantarella, que adquiriu as terras em 1908 e promoveu a urbanização de uma parte do bairro do Jabaquara, ao transformar o sítio em chácara. A família manteve a casa em uso até 1970, quando cerca de um terço da chácara foi desapropriada pelo governo para a instalação do pátio de manobras da linha norte-sul do Metrô. Na mesma época, o restante da propriedade foi loteado. A casa-sede permaneceu intacta, mas o antigo contexto rural fora destruído e seria necessário, então, inseri-la no contexto urbano e dotá-la do destaque merecido. A casa-sede e uma área contígua foram desapropriadas pela prefeitura, dando origem a um centro cultural e a uma praça.

A restauração da casa ocorreu no final dos anos 1970 como parte do Projeto Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada (CURA) Jabaquara, responsável pela reformulação urbana da região, motivada pela construção do grande pátio do Metrô. Ao lado da casa foi construído um edifício complementar, com a função de um centro cultural, com biblioteca, auditório e sala para exposições, projetado pelo escritório Shieh / Mancini Arquitetos Associados. O projeto paisagístico da praça foi realizado por Rosa Grena Kliass.

O levantamento que Mario de Andrade encaminhou ao Iphan não resultou no tombamento da casa por aquele órgão, mas o reconhecimento de seu valor histórico veio mais tarde. A antiga casa-sede do Sítio da Ressaca foi tombada pelo Condephaat em 1972 e pelo Conpresp em 1991.

Imóvel integrante do Museu da Cidade de São Paulo, a sede do antigo Sítio da Ressaca, hoje situada à Rua Nadra Raffoul Mokodsi, foi definida como local preferencial para a realização de mostras e exposições sobre temas ligados à trajetória e à cultura do negro na cidade de São Paulo. A primeira exposição nessa linha, intitulada “Os caifazes de Antonio Bento: um episódio da luta abolicionista em São Paulo”, abordou o Movimento dos Caifazes, grupo que comandava fugas de escravos em direção ao Quilombo do Jabaquara, em Santos, liderado pelo advogado, promotor público e juiz de direito paulista Antonio Bento (1843-1889).

Desde o mês de junho, a casa-sede do Sitio da Ressaca apresenta uma nova exposição: “Luiz Gama. Poeta, republicano, abolicionista”, em homenagem aos 180 anos de nascimento do famoso líder abolicionista.


SÃO PAULO. Cidade. Em Cartaz: guia da Secretaria Municipal de Cultura.  n. 38, ago. 2010. p. 72-73.
Texto revisto em 12.8.2010.