Trilhas de filmes de Kubrick são apresentadas no Theatro Municipal

Concertos temáticos trazem composições que fazem parte das trilhas sonoras dos filmes “Laranja Mecânica”, “Barry Lyndon” e “2001- Uma Odisseia no Espaço”

Quem assiste a “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, uma das obras de ficção científica mais importantes do cinema, fica impressionado com o casamento na tela entre as imagens e composições como a valsa “Danúbio Azul”, de Johann Strauss Jr. Boa parte das músicas desse filme é erudita. Essa, porém, não foi a primeira opção do diretor Stanley Kubrick, que havia encomendado uma trilha original para o compositor Alex North (o mesmo do épico “Spartacus”, de 1960, também do cineasta norte-americano). Mas a combinação entre música erudita e contemporânea, que, a princípio, seria provisória para o processo de edição do longa-metragem, deu tão certo que os dois filmes seguintes de Kubrick, “Laranja Mecânica” e “Barry Lyndon”, também tiveram um uso marcante de obras assinadas por mestres como Beethoven, Schubert, Mozart e Händel.

Kubrick não via motivo em competir com compositores eruditos quando sentia que o filme deveria ter uma música sinfônica como trilha sonora. Foi o que o cineasta contou ao crítico francês Michel Ciment em 1972. “A não ser que você queira uma música pop, não vejo por que empregar alguém que não se compara com Mozart, Beethoven ou Strauss para escrever uma música orquestrada”, afirmou, em entrevista publicada no livro “Conversas com Kubrick” (CosacNaify). Em outra ocasião, no ano de 1976, o diretor comentou a Ciment o risco de usar uma trilha original, pois ela normalmente é feita em cima da hora. “Mas quando a música convém a um filme, ela acrescenta uma dimensão que nada mais podia lhe dar. Isso é de importância capital.”

Kubrick em Concerto

Aproximando a música erudita aos amantes do cinema, e vice-versa, o Theatro Municipal apresenta, neste mês, “Kubrick em Concerto”. São três programas que trazem, em cada um deles, as principais composições de três filmes do diretor, interpretadas pela Orquestra Sinfônica Municipal (OSM): nos dias 7 e 8, as músicas de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, sob a regência de Roberto Minczuk, diretor da OSM; nos dias 14 e 15, o tema é “Barry Lyndon”, regido por Gabriel Rheim Schirato. Encerrando a programação, nos dias 21 e 22, as obras presentes em “Laranja Mecânica” ganham regência de Abel Rocha. Durante os concertos, serão projetadas algumas cenas das produções.

Essa é uma oportunidade única para ouvir composições que ajudaram os filmes a se tornarem memoráveis, como “Assim Falou Zarathustra”, de Richard Strauss, utilizada em “2001”, ou uma variação de “Music of the Funeral of Queen Mary” (Música do Funeral da Rainha Mary), de Henry Purcell, presente em “Laranja Mecânica”.

Trilhas ecléticas

“Kubrick foi um dos cineastas mais criativos e fez filmes muito distintos”, comenta o maestro Roberto Minczuk. “Um é ficção [‘2001’], outro é de época [‘Barry Lyndon’] e o outro é moderno, quase surreal [‘Laranja Mecânica’]. Esse contraste maravilhoso também está presente no repertório musical dos filmes”. Segundo o diretor da OSM, a filmografia de Kubrick contempla um repertório que vai do compositor barroco Henry Purcell (em “Laranja Mecânica”) até o vanguardista húngaro György Ligeti, em “2001” e em “De Olhos Bem Fechados”, último trabalho do cineasta. “São escolhas muito ricas, de um período que transcorre mais de 300 anos”, pontua o maestro.

Minczuk afirma ser apaixonado por música de cinema, pois a vê como um primeiro contato do público com a obra orquestrada. Essa também é uma forma de amplificar o alcance da música erudita, como no caso de “Assim Falou Zarathustra”, de Richard Strauss, uma composição que se tornou icônica devido ao sucesso de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. “Foi o Kubrick quem, de fato, tornou essa música conhecida nos quatro cantos do planeta”, explica. Outras obras de destaque no filme que serão apresentadas no Municipal, além do “Danúbio Azul”, são “Lux Aeterna” e “Atmosferas”, de Ligeti. “É um repertório fantástico para qualquer concerto sinfônico”, afirma o maestro, que ressalta o fato de as peças de Ligeti serem raramente executadas.

Em “Laranja Mecânica”, a música faz parte não só da trilha, com a execução das “Sétima” e “Nona Sinfonias” de Beethoven, mas da narrativa. O polêmico e violento protagonista, Alex (Malcolm McDowell), é um admirador confesso do compositor alemão. Para Kubrick, isso demonstrava um fracasso da cultura na questão moral, uma vez que pessoas cultas também cometem atos moralmente inaceitáveis. Segundo Minczuk, a escolha por Beethoven não é aleatória, pois esse talvez seja o compositor com o qual o público é mais obcecado. “Beethoven é rock’n’roll puro e acho que isso causa um fascínio em qualquer pessoa”, afirma. “A energia rítmica de suas sinfonias, a partir da ‘Quinta’, era o mais próximo na época do que poderia ser o heavy metal hoje”.

Para o diretor da OSM, a música nos filmes de Kubrick funciona quase como se fosse uma protagonista. “Ele faz algo parecido com o que Richard Wagner apresentou: cria leitmotivs, temas musicais que se repetem e representam personagens e situações”, explica. “Kubrick não poderia ser Kubrick sem a música que ele escolheu para os seus filmes”, conclui Minczuk.

Confira a programação completa. 

| Gabriel Fabri