Sérgio Machado e Fernando Coimbra lançam documentário sobre beneficiários do Bolsa Família

“Aqui Deste Lugar” estreia na Galeria Olido e no Centro Cultural São Paulo, integrando a programação do Circuito Municipal de Cultura


Documentário acompanha o cotidiano de três famílias e tem como objetivo
quebrar o preconceito em relação ao Bolsa Família

Por Gabriel Fabri

Ao rodar o Brasil procurando locação e fazendo testes de elenco para os filmes “Central do Brasil” e “Abril Despedaçado”, ambos de Walter Salles, o baiano Sérgio Machado ficou marcado ao ver de perto a situação do país. “Você via pessoas passando fome e sede, era uma realidade bem dura. Parecia que eu estava viajando e entrando, na verdade, no século anterior”, conta o diretor de “Cidade Baixa”. Em 2011, dez anos após a sua última viagem, Machado retornou aos mesmos locais e se deparou com uma realidade bastante diferente.  “Vi televisão, geladeira e motocicleta e tive a impressão de que essas pessoas foram incorporadas ao tempo delas, nesse século”, explica. 

Foi desse contraste que surgiu a ideia do documentário “Aqui Deste Lugar”, co-dirigido por Fernando Coimbra (de “O Lobo Atrás da Porta”). O longa-metragem estreia no Circuito Municipal de Cultura dia 8 de outubro, com sessões a preço popular de R$ 1 no Cine Olido e no Centro Cultural São Paulo (CCSP). 

O documentário registra o dia-a-dia de três famílias que vivem com a ajuda do Bolsa Família, programa de transferência de renda do Governo Federal. Com inspiração no conceito norte-americano de “cinema direto” dos anos 1950, os cineastas tentaram capturar, com a menor interferência possível, o cotidiano dentro das casas dessas famílias – uma da periferia de São Paulo; outra da cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul; e, por fim, uma do município de Tauá, no sertão do Ceará. Nessa última, o benefício do Governo representa quase a totalidade da renda da família, enquanto nas outras funciona como um complemento. 

“Queria ver como era dentro das casas dessas famílias cujos pais nunca tiveram acesso à luz elétrica e hoje os filhos usam até internet no celular”, revela Machado. O cineasta dividiu com Coimbra a missão de entrevistar mil famílias por todo o Brasil, antes que se chegasse às cinco escolhidas (número que diminuiu para três na edição final). A estratégia adotada foi a de procurar casas com adolescentes entre 16 e 18 anos. “É aquele momento em que o jovem tem que tomar decisões na vida”, explica. 
 
Machado afirma que o principal objetivo do documentário é quebrar o preconceito em relação ao Bolsa Família. “É intolerável viver em um país rico, que não está em guerra ou sofrendo algum desastre, com uma parte grande da população passando fome”, declara. Entretanto, o diretor diz que “Aqui Deste Lugar” não foi feito para defender o programa, e sim apenas para documentar como é a vida das famílias que recebem o benefício. “Tentei julgar o menos possível. O meu desejo de fazer o documentário é mostrar que a vida dessas pessoas não é muito diferente da nossa, apesar da desigualdade social gritante que ainda existe no Brasil”, explica. 

Durante a realização do documentário, a principal mudança que o cineasta percebeu no país foi no imaginário das pessoas. “Elas começaram a sonhar. Quase todos os jovens que entrevistamos ambicionam com a faculdade”, revela Machado. Outra surpresa para o cineasta foi a ausência do homem dentro das famílias. A maior parte das casas em que entraram, e as três escolhidas para o filme, eram lideradas por mulheres. “A mulher virou o protagonista do Brasil, e eu não tinha noção de que era assim”, conta. 

O cineasta espera que o filme, que toca em um assunto muito comentado na vida política brasileira, não seja recebido por reações extremas. “Não sei se isso é possível no Brasil de hoje, mas queria que o filme fosse visto longe de paixões partidárias”, confessa. “Não sou de nenhum partido político, mas não vou assistir calado, acho que tem coisas importantes que aconteceram e eu tenho que falar delas”, completa. 

Quando exibido em maio no Cine PE (Festival de Cinema de Pernambuco), “Aqui Deste Lugar” gerou uma discussão acalorada, em que um jornalista paulistano acusou o documentário de ser “propaganda governista”. Machado comenta a declaração: “O que melhorou é uma coisa, o que falta é outra, as duas coisas estão lá no filme. Inclusive o jornalista falou que ele era uma propaganda ruim, porque mostrava um monte de defeito. Ora, se o documentário mostra um monte de defeito, é porque não é propaganda”.  

“Aqui Deste Lugar” é dedicado ao documentarista Eduardo Coutinho (“Cabra Marcado Para Morrer”), falecido em 2013, uma das grandes influências na carreira de Machado. Segundo o cineasta, Coutinho era um entusiasta do projeto e o incentivou a fazer o filme. No dia de sua morte, os dois teriam um encontro para discutir a primeira versão da obra. “Ficou uma sensação estranha de vazio. Nunca saberei o que ele achou do documentário”, afirma. 

Serviço: | Galeria Olido – Cine Olido. Av. São João, 473. Próximo das estações República, Anhangabaú e São Bento do metrô. Centro.| tel. 3331-8399 e 3397-0171. De 8 a 10, 19h. De 11 a 13, 15h. Dias 14 e 21, 14h. De 15 a 18, 17h. Dia 20, 15h. R$ 1
| Centro Cultural São Paulo. R. Vergueiro, 1.000, Paraíso. Próximo da estação Vergueiro do metrô. Centro. | tel. 3397-0001 e 3397-0002. De 8 a 14, 17h. R$ 1