Monólogo “Conversas Com Meu Pai” problematiza limites do inconsciente a partir de história autobiográfica

Peça integra a programação do Circuito São Paulo de Cultura e é apresentada no Teatro Martins Penna, nos dias 2 e 3, e no Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes, nos dias 8, 9 e 10 de maio

Monólogo mistura a experiência autobiográfica da atriz Janaina Leite
 com traços de ficção

Por Gabriel Fabri

Em toda apresentação da peça “Conversas com meu pai”, a atriz Janaina Leite recebe o público pessoalmente. Em um momento quase confessional, que funciona como um prólogo para o espetáculo, ela anuncia a busca por um segredo, guardado em uma caixa que fica o tempo todo em cena. Em seguida, Janaina leva o público para outro ambiente, onde apresenta as outras duas partes do monólogo, de inspiração autobiográfica. “Conversas com meu pai” integra a programação do Circuito São Paulo de Cultura e é apresentada no Teatro Martins Penna, nos dias 2 e 3, e no Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes, nos dias 8, 9 e 10, com entrada gratuita. 

Na vida real, a caixa guarda as conversas que Janaina teve com o seu pai, morto em 2011. Desde 2005, a atriz só podia se comunicar com ele por meio de bilhetes, já que o homem perdeu a voz devido a uma traqueostomia, um procedimento cirúrgico em que a garganta é furada. Tal episódio gerou, entretanto, uma aproximação entre pai e filha, que haviam se separado quando Janaina era adolescente. 

A ideia para o espetáculo surgiu em 2008, quando a atriz participou de um exercício em um grupo de teatro. Deveria levar um “objeto de alegria” e levou a caixa com as suas conversas. Ali, falou de brincadeira que faria um curta-metragem com a história da relação com seu pai, momento que marca o início do processo de construção do “Conversas com meu pai”, ao longo do qual Janaina experimentou as linguagens do cinema e da literatura, até encontrar no teatro a melhor forma de contar essa história. Esse processo foi incorporado ao palco, com a exibição de vídeos com o cotidiano do pai, fotos de família e materiais de arquivo. “Essas projeções tem o papel importante de documentar a passagem do tempo e criar uma conexão direta do público com o real”, explica Janaina. 

Na peça, o conteúdo dos bilhetes entre o pai e a filha não são revelados. A caixa propõe uma espécie de labirinto para o público, pedindo o desvendamento do segredo anunciado. “Ela está ali como algo em potencial”, conta a atriz. A alegria que o objeto simbolizou para a atriz há tantos anos é impressa no monólogo, o que não significa que o conteúdo de “Conversas com meu pai” seja leve ou alto astral. “Por mais que seja dolorido, a alegria existe por que o material é significativo”, explica. Assim, ela vê algo de celebração na questão da superação do luto e na conexão com algo importante, por exemplo. “A arte é um espaço de ressignificação e que por isso dá vida a qualquer coisa, por mais duro que seja”, afirma a atriz.

O monólogo de Janaina, escrito pelo seu marido, o dramaturgo Alexandre Dal Farra, mistura a experiência autobiográfica da atriz com traços de ficção. “Nem posso distinguir o que é real ou não, pois a peça problematiza justamente isso, os limites do próprio inconsciente”, explica. Trata-se de ficções que todo mundo produz sobre si mesmo, como a própria identidade da pessoa. “Trabalho com o lugar nebuloso das memórias, do encontro com o passado. São fabulações verdadeiras, significativas”, completa.

“Conversas com meu pai” também apresenta uma discussão explícita sobre a própria linguagem em que se insere o espetáculo, ao questionar os limites de uma obra de cunho autobiográfico. “Sempre surgem questões sobre o quanto uma peça como essa é um exercício narcisista, uma exposição exagerada, ou mesmo um gesto terapêutico”, explica Janaina. Não é a primeira vez que a atriz abre a sua intimidade nos palcos: por três anos, ela estrelou “Festa de Separação: um Documentário Cênico”, que tratava sobre o rompimento entre Janaina e um ex-namorado. “É muito desafiador, pois não tenho um personagem em quem apoiar. Tenho que me conectar comigo mesmo”, avalia. 

Serviço: Circuito São Paulo de Cultura. Diversos Espaços. Grátis. 

| Teatro Martins Penna. Largo do Rosário, 20, Penha. Próximo do Shopping Penha. Zona Leste. | tel. 2295-0401. Dia 2, 20h. Dia 3, 19h
| Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes. R. Inácio Monteiro, altura do nº 6.900, esq. com Rua Alexandre Davidenko, Cidade Tiradentes. Zona Leste. | tel.: 2555-2840. Dias 8 e 9, 20h. Dia 10, 19h