Tombar bens exige mais que bravatas

Fonte: Folha de S. Paulo

É positivo o projeto que altera as regras sobre a proteção do patrimônio histórico em SP?

SIM


 

PAULO FRANGE

O PATRIMÔNIO histórico de uma cidade inexiste sem o ambiente que o cerca, retrato vívido da importância do bem tombado. A cidade não vive sem que uma boa cota de prudência se estabeleça como princípio de coexistência entre os vários segmentos que a habitam.
Estamos falando de gerir e propor mudanças no espaço urbano de uma cidade com a complexidade, os problemas e os potenciais de São Paulo. Há duas semanas, os paulistanos assistem a um embate inusitado. De um lado, o Legislativo municipal, formado por 55 vereadores eleitos pelo voto direto, um grupo heterogêneo e representativo das marcantes diferenças desta cidade. Do outro, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), constituído em 1985 com base em projeto de lei proposto pelo ex-vereador Marcos Mendonça e sancionado como lei nº 10.032 pelo então prefeito Mario Covas.
O conselho existe, portanto, há 22 anos para deliberar sobre o tombamento de bens móveis e imóveis de reconhecido valor histórico para São Paulo. E, na qualidade mesma de conselho, é órgão auxiliar no processo decisório da administração pública.
A celeuma foi estabelecida quando a Câmara Municipal de São Paulo, no exercício da mesma competência legislativa que a levou a propor a criação do Conpresp, votou favoravelmente por alterações que visam, sobretudo, manter o planejamento urbanístico da cidade e dar maior transparência às deliberações do órgão.
Vejamos o que está sendo proposto e que afeta tão seriamente o juízo de alguns poucos em torno do assunto.
1) Que, sempre que a decisão de um tombamento implicar mudanças no zoneamento urbano da cidade e, portanto, no Plano Diretor, a Câmara será chamada a votar a matéria por no mínimo três quintos dos vereadores (33), processo ainda mais qualificado pois acrescido da consulta à população em duas audiências públicas.
2) Que haja prazos estabelecidos, a saber: 180 dias para o trâmite do processo de tombamento, 30 dias para a definição dos destinos do entorno do bem a ser tombado, 60 dias para envio de projeto de lei à Câmara pelo Poder Executivo e 90 dias para apreciação e votação em plenário.
3) Que passe a haver transparência nos processos, com a publicação das decisões do Conpresp em página oficial da prefeitura na internet. O que propomos é instituir formas de controle sobre decisões que afetam não só um bem de valor cultural e histórico inestimável mas também a cidade em volta do patrimônio. Nem sequer há consenso nas decisões do Conpresp sobre limites do entorno.
Cabe questionar por qual motivo razoável alguns julgam ser o plenário da Câmara Municipal um balcão de negócios enquanto assistimos imobilizados às decisões de um conselho cujos membros votam a portas fechadas, sem visibilidade pública.
São só nove pessoas, incluindo um vereador, determinando os usos ou desusos que se farão dos bens imóveis de uma cidade com escassez de áreas para manter seu processo de desenvolvimento. Ninguém questionou a validade das decisões do conselho, mas os questionamentos levantados pela Câmara caem na vala comum da desconfiança, em uma vã tentativa de desqualificar aquilo que é pertinente ao processo democrático.
Na realidade, o projeto de lei e a emenda aprovados no último dia 23 devolveram à Câmara algo que lhe é legalmente facultado. Os vereadores podem decidir questões relativas ao patrimônio histórico, sim, e nos amparamos na Constituição e na Lei Orgânica do Município para afirmá-lo.
O artigo 30, incisos I e II da nossa Lei Maior determina que compete ao município legislar (frisamos, legislar) sobre a proteção ao seu patrimônio histórico por se tratar de interesse local passível de legislação suplementar. O artigo 193 da Lei Orgânica do Município é claro ao determinar que a identificação, a proteção e a promoção do patrimônio histórico é de competência do poder público municipal.
No qual estamos inseridos, queiram ou não as hienas jurídicas e os urbanistas excluídos à revelia do processo.

 

PAULO FRANGE, 54, cardiologista, vereador de São Paulo pelo PTB, é co-autor da emenda que fixou prazos e condições para o exame, pela Câmara Municipal, do entorno de um bem tombado por decisão do Conpresp.